Já não tinha vida, mas o seu coração batia de pavor num
pulsar frenético. Lord Sevlá, um vilão terrível, iria transformar a breve
história de Glaydson em pó. Estava pronto para matá-lo com um golpe vorpal
quando foi avertido por Gabriele, a vampira mais jovem do grupo.
– Não
o mate, meu senhor! Eu suplico.
– Como
assim? Ele está botando a nossa sobrevivência em jogo. Demoramos muito tempo para
controlar os caçadores daqui... ninguém sabe que existimos... por conta deste
energúmeno, vão começar a questionar novamente a existência de vampiros no Rio
Grande do Norte.
– Eu
vejo alguma utilidade nele.
–
Qual?
– Não
sei... apenas uma sensação de que este sujeito asqueroso ainda nos será muito
útil.
– Mais
uma de suas visões, Gabriele?
– Não
sei se uma visão, meu senhor... é uma sensação.
Os
demais membros do conselho – se é que se pode chamar toda representatividade de
um grupo de conselho – decidiram manter Glaydson vivo... pelo menos por um
tempo. É claro que não era preciso conselho nenhum, pois quem decidia o destino
de todos nas terras potiguares era o Lorde Sevlá.
– Tudo bem, Gabriele. No entanto, ele é responsabilidade
sua. Trate de ensiná-lo como se portar...
– Perdão, meu senhor, mas eu
tenho uma sugestão antes.
– Diga, Conrado. O que você tem
a dizer?
– Sugiro deixá-lo passar a
noite comigo. Garanto que ele aprenderá a se portar.
Não houve objeção. Conrado
era um sujeito calado, às vezes ficava dias sem abrir a boca... falava tão
pouco que, quando falava, todos ouviam prontamente, mesmo que besteiras fossem
comuns. Além do seu jeito calado, este vampiro era conhecido pelas suas
técnicas de tortura que vieram se aprimorando desde a Idade Média. Ensinou
muita coisa aos militares brasileiros à época do Regime. Ele falava pouco, mas
poderia fazer qualquer criatura até agora conhecida confessar qualquer coisa
sob os seus métodos. Na verdade, ninguém sabia como aquele experiente soldado
do mal tinha ido parar nordeste brasileiro, mas seus serviços eram muito úteis
ao Lord Sevlá e a qualquer senhor que lhe contratasse a preços nada amigáveis.
Glaydson, coitado, não sabia
o que lhe esperava. Os dias em que passou livre em Natal desfrutando dos
poderes que recebeu após a sua transformação o fizeram acreditar que nada
poderia abalar a sua felicidade. Mas ele não sabia da existência de outros
vampiros na região, não poderia prever a perseguição liderada pelo Lord Sevlá e
muito menos a noite que passaria sob os cuidados de Conrado.
O fato de vampiros se
recuperarem bem mais rápido de ferimentos físicos do que um ser humano não os
ajuda a sentir menos dor. Conrado começou amarrando as suas mãos e pés com uma
corrente bastante poderosa... mesmo que o Glaydson soubesse usar a força que
tem, não conseguiria se soltar. Em seguida, um maçarico antigo foi aceso...
ninguém sabe o que era maior, a dor ou os gritos. Gritos ensurdecedores ecoavam
pela fazenda longínqua no interior do interior do Rio Grande do Norte. A densa
floresta plantada e irrigada pelas adutoras do Lord Sevlá não deixava o grito
se expandir...
Depois de se esbaldar com o
maçarico, Conrado pegou um dos seus pequenos instrumentos favoritos: uma
faquinha de cozinha meio cega. Os cortes precisavam mais de força do que de fio
para serem feitos, e doíam muito mais. Ameaçou arrancar os olhos, tirou a ponta
da faca no último segundo. Lágrimas de sangue escorriam pelo rosto de Glaydson,
lágrimas de felicidade escorriam dos olhos brilhantes de Conrado.
A noite foi passando, parecia
interminável. Conrado dava, controladamente, um pouco de sangue para que
Glaydson se mantivesse vivo... Não seria nada legal descumprir uma ordem do
Lord Servlá, mesmo que ele não lhe impusesse medo algum. O jovem vampiro de Natal
deveria apenas aprender uma lição, ainda que não conhecesse as regras do jogo
para merecer uma punição. Pouco importava, o sofrimento alheio era mais
importante do que qualquer senso de justiça. Que justiça? Há séculos fazia
apenas o que achava prazeroso. Sentiu muito prazer naquela noite, usou uma
dúzia de métodos diferentes para extrair o sofrimento do torturado.
Com ossos quebrados, pele
queimada, carne arrancada e orgulho ferido, Glaydson achava que aquele
sofrimento não iria terminar nunca. De certa forma, nunca terminaria... ficaria
preso em sua memória até o dia em que deixaria, enfim, de habitar este mundo.
Como castigo final e para protegê-lo do sol, Conrado aprisionou sua vítima numa
de suas virgens de ferro. Na mais fina, para que pudesse ouvir os gritos de
Glaydson durante todo o dia, quando descansaria no seu caixão de veludo. Quando
se recuperasse, Glaydson teria a primeira missão a mando do Lord Sevlá, mas,
por enquanto, padecia sem poder morrer naquela mórbida santa.
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