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terça-feira, 19 de maio de 2015

Tia Alcinéia


Tia Alcinéia foi a minha professora da alfabetização. Terminei o mestrado há pouco tempo e confesso que não me lembro de alguns professores. Mas de Tia Alcinéia, que me ensinou a codificar e decodificar o português há vinte anos, eu me lembro. Lembro muito bem, infelizmente.
Tia Alcinéia era baixinha, gorda, calva, com alguns dentes faltando e com os que sobravam meio podres. Ela era, como deveria ser toda alfabetizadora da época, extremamente tradicional. Tão tradicional que hoje eu conto os castigos que ela me passava aos meus alunos e eles não acreditam, acham que é coisa de desenho da Fox. Eu repetia, sempre que fazia algo errado, duzentas vezes na folha de ofício “Não devo fazer x coisa”. Não me lembro o que aprontava, não me lembro o que escrevia, mas lembro das lágrimas molhando o papel branco que o lápis fatalmente furava e eu tinha que passar tudo a limpo.
Tia Alcinéia me marcou... Certa vez, vendo tevê com minha mãe, apareceu uma mulher com este nome. Eu gelei. Já adulto. Gelei. – Lembra de Tia Alcinéia, Rodrigo? Que tomava seu refrigerante? – disse minha mãe. Não só me lembro como até hoje eu agradeço a quem seja lá que foi que me ensinou a abrir uma lata.
Tia Alcinéia era quem abria meu refrigerante. Os meus dedos, tadinhos, eram pequenos, eu não conseguia abrir a latinha. Tinha que pedir para a única pessoa com dedos fortes da turma: a professora. O problema é que, além de dedos fortes, ela tinha dentes podres e faltando, e ainda tinha um péssimo hábito: o de dar o primeiro gole.
– Tia Alcinéia está tomando meu refrigerante! – contei pra minha mãe. Ela foi lá, claro, reclamar... aprendi a reclamar com a minha mãe. Não sei se Tia Alcinéia ouviu o pedido ou simplesmente pararam de me mandar latas de refrigerante, mas de uma coisa eu sei e não esqueço. Este nome e uma saudade: Tia Alcinéia. 

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