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sábado, 9 de outubro de 2010

A Tartaruga e o Pinto





         As pessoas me perguntam por que não gosto de bichos de estimação. Eu nunca disse que não gostava de bicho, apenas não criava por ter sofrido bastante com os animaizinhos que eu tinha quando criança.
            Minha primeira experiência foi com um pintinho... como eu gostava daquele pintinho, criava como se fosse um cão – talvez o comesse quando virasse um galo, mas até então era o meu melhor amigo. Certo dia, minha mãe entrava em casa com sacolas na mão... doida para guardar logo as compras e acender seu cigarro. Avexada e bruta como sempre, ela pisou no meu pintinho.
            Aquele cena é uma das mais tristes que me lembro... toda tripa da pobre avezinha saiu de seu corpo pelo cu. Não pensei duas vezes... peguei uma caixinha de sapatos e levei meu amigo para uma benzedeira, tia Aladir. Insisti para que ela o rezasse, quem sabe assim ele ficaria bom já que não estava morto, podíamos vê-lo respirando, com muita dificuldade, por sinal, mas respirando. 
            – Tia Aladir, a senhora pode rezar o meu pintinho? Ele tá quase morrendo...
            – Mas, Maurinho, você sabe que só rezo pessoas... posso tentar... se bem que acho que não vai resolver...
            – Mas tenta, tia, tenta, por favor! – pedi olhando como quem olha a mãe do fundo de um poço com os braços estendidos, lágrimas correndo, e esperando por socorro imediato.
            É claro que titia não conseguiu curar meu pintinho, mas espero que ele tenha morrido sem muita dor depois da reza.
                                                   
         Depois do pintinho, eu tive um jabuti, mas naquele tempo chamava de tartaruga. Já ganhei a tartaruga grandinha e tal... Também não tinha nome... ora, se já era uma tartaruga para que inventar outro nome?... Chamava o jabuti de tartaruga mesmo. E detalhe: achava que era uma tartaruga... fêmea.
        – Pronto, Maurinho – disse minha mãe. Agora se eu pisar nesse seu novo bicho eu não vou matar – e me estendeu a tartaruga. – E vê se para de chorar também.
           – Viva! – gritava de emoção.
          Eu brincava sempre com a tartaruga, corria do colégio para poder lhe dar alface outras comidas de tartaruga. Gostava de colocá-la de cabeça para baixo e ver se ela conseguia se virar... mas ela nunca conseguia sozinha. Mesmo quando eu a deixei a noite inteira assim, ela não se virou.
            Nunca tive um bicho tão forte como aquela tartaruga. Botava brinquedinho em suas costas e ela carregava sem problema... e se minha mãe ou qualquer outra pessoa pisassem na bichinha ela não morreria como o pintinho.
            Mas – o tal mas da história – certo dia uns amigos do meu pai tinham vindo beber com ele em casa... beberam até altas horas. Meu pai e os outros bebedores não limparam o quintal depois da noitada, deixando todas as garrafas espalhadas por lá.  Ao acordar cedo – pois era domingo, e sábado e domingo eu sempre acordava muito cedo, ao contrário dos outros dias –, eu logo corri para brincar com a tartaruga...
            Dei um grito estridente e minha mãe, meu pai e meu irmão acordaram imediatamente. Minha tartaruga estava toda ensanguentada e com indícios de morte....
            Acontece é que aquela tartaruga era macho, e resolveu acasalar com uma das garrafas de cerveja do chão. Devido à pressão ou outro fator, a garrafa estourou e cortou fora o pênis da minha tartaruga. Ela morreu devido à perda do sangue... Eu não a levei para a tia Aladir, queria mesmo que a tartaruga morresse... Eu não gostaria de viver sem meu pênis, a tartaruga devia pensar o mesmo. 

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Glaydson, O Vampiro Natalense, ataca novamente

A noite estava sombria. Nada se ouvia além da chuva que batia no telhado e corria pela calha inundando o chão de concreto. Mesmo assim ela não se movia, mal podia, mas não se movia. Suas pernas estavam livres, mas cansadas de tanto se debater... seu sorriso estava encoberto por um pano imundo que servia como mordaça... seus braços... seus braços estavam amarrados com arame farpado que incrustava em sua pele banhada em sangue, lavada em sangue.
         Ele não se movia também. Estava sedento, mas gostava de ver as presas sofrendo. Não entendia o porquê, não precisava... mas o sangue, o precioso líquido que o mantinha semi-vivo, ainda preso ao mundo dos homens, era desperdiçado. Tudo bem... valia a pena ver o sofrimento nos olhos dela, olhos que agora já iam se entregando à morte.
            Agora era hora. Se ela morresse, o sangue estragaria. Glaydson a pegou e mordeu seu pescoço consumindo todo escarlate líquido da moça. O sangue, entrando em seu corpo, o fazia lembrar dos tempos que era vivo, talvez porque estivesse, quando saciado – mesmo com a mulher com uma falta de cerca de um livro de sangue –, mais perto de estar vivo que poderia estar em qualquer outra ocasião... Na manhã seguinte, iria ter mais uma tiragem extraordinária da Tribuna do Norte comentando sobre mais uma morte misteriosa em Natal, mas desta vez iriam encontrar um corpo decapitado, Glaydson não cometeria o erro de deixar as marcas dos seus dentes à mostra novamente.

            Alguém não estava gostando nada nada de um jovem vampiro atrapalhando as coisas na capital do Rio Grande do Norte. A situação sempre foi controlada no estado, pois os poucos vampiros que existiam ali eram unidos e tinham um código a respeitar, que, sobretudo, prezava a descrição, e, para não levantar muito alarde, os bebedores de sangue procuravam sempre pessoas desimportantes, muitas vezes juradas de morte ou presidiários... enfim, gente que serviria melhor morta do que presa para a sociedade. E quando alguém quebrava essa regra dava aos outros o direito de caçá-lo, sem piedade ou dó.
            – Hei, você aí.
            Pela primeira vez em três dias Glaydson se assustava.
            – Hei. Há dias estou atrás de você, sem vergonha. O que acha que está fazendo?
            – Q-quem é v-você?
            – Sou Lord Sevlá, o senhor dos vampiros do Rio Grande do Norte. Dono de almas e terras que sua visão não pode mensurar.
            – O senhor dos vampiros? Então... eu não sou o único?!
            – Claro que não, imbecil! Você é o mais jovem, e o mais morto daqui a pouco.
            E ao falar isso, Lord Sevlá avançou na direção de Glaydoson e, no instante em que iria desferir o golpe fatal, foi surpreendido por um grito apavorado de um dos seguranças noturnos da Guararapes, lugar para onde foi Glaydson após matar dois funcionários do Macro.
            – Vamos, animal. Siga-me.
            Tremendo mais do que um senhor com mal de parkinson sentindo frio, Glaydson seguiu Lord Sevlá. Em pouco mais de duas horas e meia de corrida, eles pararam em algum lugar próximo a Caicó. Ali ninguém os encontraria.
            Ao chegar num castelo bem escondido, mesmo para os olhos vampiros de Glaydson, próprios para enxergar no escuro, o vampiro natalense foi recebido por sete vampiros, quatro homens e três mulheres, com Lord Sevlá eram quatro casais. Assim que o Lord chegou, todos fizeram uma mesura e se dirigiram para o salão do trono. No salão, havia nove tronos dispostos num U invertido. O Lord se posicionou no trono central. Após ele, todos os outros se sentaram, mas Glaydson ficou no centro em pé. Ele não sabia, mas o seu destino iria ser selado ali. O bom da história era que ele tinha ganhado mais uma chance... ira ser morto em Natal. Agora, só um milagre o salvaria, e em milagre ele não acreditava nem quando era um ser humano.

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