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quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Fake Plastic Dicks

 


Foi a pandemia.

Nunca gostei muito de computador, celular pra mim era pro básico. Pornografia então, jamais.

Mas foi a pandemia, eu juro!

Eu tinha um namorado, ficamos sem nos ver por quatro meses. No início, ah, no início foi duro, mas me acostumei. Me acostumei comigo, me acostumei com o sexo virtual, meus dedos, meus brinquedos que chegaram atrasados do Mercado Livre.

Aí todo mundo começou a relaxar. Estavam abrindo bares, estavam abrindo igrejas. Estavam, olha!... Estavam abrindo shoppings! Tu acha? Eu deveria encontrar o Maurício. Já eram cinco meses incompletos de isolamento. Eu nem sabia mais qual era o seu gosto. Nem meu gosto em sua barba, só meu gosto nos meus dedos.

Aqui em casa era foda. Meus pais, mesmo liberais, viviam em casa. E ainda tinha Vó Petra, não, na boa, não rola. E eu sabia que queria soltar todos os gritos e gemidos sufocados pelo isolamento. Na casa dele era foda, ele morava com o pai, bicho alcóolatra, sabe, rolava não.

Motel? Cê tá doido? Imagina se alguém infectado usa antes da gente. Não quero adoecer. Vovó é idosa, esqueceu.

Tá bem, tá bem. Vamos pro motel amanhã. Você passa aqui e me pega. Não, Maurício, não vou de Uber, você passa aqui no seu Uber e me pega já que seu pai bateu o carro. Não. Já disse que não vou pegar Uber sozinha pra ir pra motel. Não estou nem aí, o problema é seu.

Pernoitamos no motel. Foi uma merda. Acho que Maurício esqueceu como se trepa ou então fui eu. Ele gozou três vezes. Na terceira durou mais de meia hora, certeza, mas não faz diferença.

A gente ainda tentou outras vezes. Eu fui enrolando também. Disse que tava com Covid, disse que tava com enjoo, disse que tava com daltonismo.... Olha, eu enrolei como podia até não poder mais.

Acabou a pandemia, mas não quero saber de ninguém, na boa. Nem homem, nem mulher. Acho que fui eu, sabe. Acho que foi a pandemia.

Sim. Foi a pandemia.

- Maria Tereza, encomenda pra você!

Já vou, mãe. Peraí, não abre o pacote!

 

Rodrigo Slama  26/08/2020

sábado, 22 de agosto de 2020

O Beco

 

Era uma vez uma cidade à beira mar. Tinha dunas, tinha Buggy, tinha um monte de coisa que não serve pra nada, mas todo mundo gosta. Mas tinha uma coisa boa. Boa de verdade, sem hipocrisia, enfim. Tinha. Tinha um povo, um povo meio feliz, meio reacionário, meio bolsonarista, mas meio feliz às vezes.  

Mas tinha o Beco, ah... tinha o Beco, tinha o Samba. Cerveja, Loló, Brisadeiro? Quero! Tinha uma galera que sempre se via, nem se conhecia, sempre se encontrava, mas se via. Via sempre. Toda quinta, todo sábado ou toda quinta e sábado, mas tinha.

- Boy, vai querer pó hoje?

Quero não, mano, quero nada. Quero curtir.

Olha ela lá, a negra. Linda. 

Também tem o ex da ex, a ex com outro, a futura desconhecida que amo sozinha, tem ela com outro também, tem ela com outra, olha! Tudo. Tudo tá lá. Não! Tudo tava lá. Hoje mais nada, nem eu. Não estou, nem fui, ninguém está ou foi. Só o vírus vai.

Não tem samba, não tem alegria, não tem Devassa por 4? Tá caro, perto de Neide é 3. Não tem mais nada.

Meladinha? Tem não, amigo. Nem tenda eletrônica, nem vômito no Uber e o Uber reclamando que preferia vômito do que nada. Nada. Só vírus.

Como me viro? Saber!?

- Mano, tudo tá voltando, o Beco vai voltar.

Vai nada. Agora não. Não tão cedo. Duvido este ano. Nada. Nada não. Nada mesmo. Nada do mesmo jeito. Será que um dia volta? Claro que volta. Volta mesmo? Vota sim. Sei lá. Muito tempo. Qual ônibus é mesmo? Quanto dá o Uber? O quê? Vocês não vão rachar? Vamos, eu pago. Não? Ninguém tá indo? Só o vírus mesmo? Real? Real e oficial? Real e oficial!

Poxa era assim que ela dizia, era assim a sua gíria.

- É, mano, mas nem ela tá lá!

E tá onde?

- Eu sei lá. Tu não sabe! Não sabe?

Sei não.

- Mas e a senhora?

Que senhora?

- A senhora que te acompanha desde o nascimento?

Ah, tá aqui ué?

- Ela tá lá no Beco também?

Claro. Vai sempre comigo onde estou. Desde que o samba é samba.

- Verdade. E você gosta?

Sei lá. Acho que não. E que vou fazer?

- Sei lá. Tu sabe?

Como?

- Sei lá. Tem saudades?

De que?

- Do Beco e dela, ué.

Claro. Do Beco, dela, da senhora. Tenho saudade de tudo.

- Mas ela nunca vai voltar e a senhora tá sempre contigo.

Sei lá, cara. É assim. Pronto.

- E tá apavorado?

Não mais. Só triste mesmo.

- Há. Então tá bom. Conta mais então.

Era uma vez uma cidade à beira mar. Tinha dunas, tinha Buggy, tinha um monte de coisa que não serve pra nada, mas todo mundo gosta. Mas tinha uma coisa boa. Boa de verdade, sem hipocrisia, enfim. Tinha. Tinha um povo, um povo meio feliz, meio reacionário, meio bolsonarista, mas meio feliz às vezes. Tinha o Beco...

 

Rodrigo Slama 22/08/20


*Imagem do Google