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sábado, 20 de junho de 2015

O demônio do canavial




Oito anos, uma faca e uma vontade de chupar cana. Sem permissão, invadi o quintal do vizinho para roubar um pouco do bambu doce que seria a sobremesa de uma janta que não tão agradável. Naquele escuro terreno do interior paulista, segurei meu medo e deixei a vontade de consumir algo engordativo tomar conta dos seus instintos. Sentia um pouco de medo, mas a vontade de me lambuzar de cana era maior... Nenhum mal poderia acontecer, certo? Ledo engano.  
Uma criatura demoniosa sai apavorante da terra quando eu estava levantando a faca favorita da minha mãe para desferir o primeiro golpe na minha sobremesa. Quando vi aquele ser das trevas, fiquei sem ter como gritar, sem quase respirar... Pavor, muito pavor. Aquele bicho parecia um bode com rabo de cobra, chifres pontudos e uma aura maligna que me fez esquecer de mim mesmo. Estava convencido de que não iria dormir na minha cama, mas numa cama de pregos em cima de um braseiro no inferno.
As chamas do inferno iriam consumir a minha carne magra, os meus olhos seriam arrancados pelas unhas cheias de bactérias demoníacas que me presenteariam com uma infecção terrível que tiraria toda a pele do corpo e comeria o tutano dos meus ossos sem deixar nenhum vestígio de humanidade em meu corpo, que só teria um coração para que eu pudesse lembrar de que não poderia invadir o terreno alheio para roubar cana-de-açúcar.
Sorte que minhas pernas não entenderam o perigo e correram, correram como nunca correram e nunca correriam novamente. Naquele momento, a minha preocupação se dividia entre as pernas, o demônio do canavial e os pulmões que começavam a falhar. Eu não conseguia respirar, e ainda faltava um bom pedaço de chão para percorrer... Cheguei, enfim, em casa com os olhos mais esbugalhados do que um japonês telescópio, agradeci a Deus em pensamento por encontrar a minha mãe lavando a louça do jantar. Lhe contei o que tinha acontecido, que vi um demônio que me levaria para morar no inferno. Apavorado, ouvi da minha mãe: – Cadê a faca? Vá já buscar, Silvo Luís!

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Glaydson, o Vampiro Natalense: uma nova chance




           Já não tinha vida, mas o seu coração batia de pavor num pulsar frenético. Lord Sevlá, um vilão terrível, iria transformar a breve história de Glaydson em pó. Estava pronto para matá-lo com um golpe vorpal quando foi avertido por Gabriele, a vampira mais jovem do grupo.
           – Não o mate, meu senhor! Eu suplico.
       – Como assim? Ele está botando a nossa sobrevivência em jogo. Demoramos muito tempo para controlar os caçadores daqui... ninguém sabe que existimos... por conta deste energúmeno, vão começar a questionar novamente a existência de vampiros no Rio Grande do Norte.
            – Eu vejo alguma utilidade nele.
            – Qual?
           – Não sei... apenas uma sensação de que este sujeito asqueroso ainda nos será muito útil.
            – Mais uma de suas visões, Gabriele?
            – Não sei se uma visão, meu senhor... é uma sensação.
         Os demais membros do conselho – se é que se pode chamar toda representatividade de um grupo de conselho – decidiram manter Glaydson vivo... pelo menos por um tempo. É claro que não era preciso conselho nenhum, pois quem decidia o destino de todos nas terras potiguares era o Lorde Sevlá.
 – Tudo bem, Gabriele. No entanto, ele é responsabilidade sua. Trate de ensiná-lo como se portar...
– Perdão, meu senhor, mas eu tenho uma sugestão antes.
– Diga, Conrado. O que você tem a dizer?
– Sugiro deixá-lo passar a noite comigo. Garanto que ele aprenderá a se portar.
Não houve objeção. Conrado era um sujeito calado, às vezes ficava dias sem abrir a boca... falava tão pouco que, quando falava, todos ouviam prontamente, mesmo que besteiras fossem comuns. Além do seu jeito calado, este vampiro era conhecido pelas suas técnicas de tortura que vieram se aprimorando desde a Idade Média. Ensinou muita coisa aos militares brasileiros à época do Regime. Ele falava pouco, mas poderia fazer qualquer criatura até agora conhecida confessar qualquer coisa sob os seus métodos. Na verdade, ninguém sabia como aquele experiente soldado do mal tinha ido parar nordeste brasileiro, mas seus serviços eram muito úteis ao Lord Sevlá e a qualquer senhor que lhe contratasse a preços nada amigáveis.
Glaydson, coitado, não sabia o que lhe esperava. Os dias em que passou livre em Natal desfrutando dos poderes que recebeu após a sua transformação o fizeram acreditar que nada poderia abalar a sua felicidade. Mas ele não sabia da existência de outros vampiros na região, não poderia prever a perseguição liderada pelo Lord Sevlá e muito menos a noite que passaria sob os cuidados de Conrado.
O fato de vampiros se recuperarem bem mais rápido de ferimentos físicos do que um ser humano não os ajuda a sentir menos dor. Conrado começou amarrando as suas mãos e pés com uma corrente bastante poderosa... mesmo que o Glaydson soubesse usar a força que tem, não conseguiria se soltar. Em seguida, um maçarico antigo foi aceso... ninguém sabe o que era maior, a dor ou os gritos. Gritos ensurdecedores ecoavam pela fazenda longínqua no interior do interior do Rio Grande do Norte. A densa floresta plantada e irrigada pelas adutoras do Lord Sevlá não deixava o grito se expandir...
Depois de se esbaldar com o maçarico, Conrado pegou um dos seus pequenos instrumentos favoritos: uma faquinha de cozinha meio cega. Os cortes precisavam mais de força do que de fio para serem feitos, e doíam muito mais. Ameaçou arrancar os olhos, tirou a ponta da faca no último segundo. Lágrimas de sangue escorriam pelo rosto de Glaydson, lágrimas de felicidade escorriam dos olhos brilhantes de Conrado.
A noite foi passando, parecia interminável. Conrado dava, controladamente, um pouco de sangue para que Glaydson se mantivesse vivo... Não seria nada legal descumprir uma ordem do Lord Servlá, mesmo que ele não lhe impusesse medo algum. O jovem vampiro de Natal deveria apenas aprender uma lição, ainda que não conhecesse as regras do jogo para merecer uma punição. Pouco importava, o sofrimento alheio era mais importante do que qualquer senso de justiça. Que justiça? Há séculos fazia apenas o que achava prazeroso. Sentiu muito prazer naquela noite, usou uma dúzia de métodos diferentes para extrair o sofrimento do torturado.
Com ossos quebrados, pele queimada, carne arrancada e orgulho ferido, Glaydson achava que aquele sofrimento não iria terminar nunca. De certa forma, nunca terminaria... ficaria preso em sua memória até o dia em que deixaria, enfim, de habitar este mundo. Como castigo final e para protegê-lo do sol, Conrado aprisionou sua vítima numa de suas virgens de ferro. Na mais fina, para que pudesse ouvir os gritos de Glaydson durante todo o dia, quando descansaria no seu caixão de veludo. Quando se recuperasse, Glaydson teria a primeira missão a mando do Lord Sevlá, mas, por enquanto, padecia sem poder morrer naquela mórbida santa. 

Confira a parte anterior aqui

segunda-feira, 15 de junho de 2015

O demônio do Beco da Luz




O Beco da Luz era um atalho no centro da cidade. Entretanto, ao contrário do que o nome sugere, é escuro durante todo o dia. Isso porque as lâmpadas eram constantemente quebradas e as construções em volta, os prédios muito colados, impediam que a luz penetrasse naqueles 170 metros de umidade, sujeira e depressão.
Mas eu não tinha saída. Nunca andava pelo Beco da Luz. A aula tinha acabado tarde, eu não poderia me dar ao luxo de percorrer cinco quarteirões para pegar o último ônibus. Sei que não é bom alguém andar sozinho num lugar ermo, como aquele – eu pedia muito a Deus que estivesse ermo – ainda mais sendo mulher. Eu não tinha saída. Tinha que passar pelo Beco da Luz.
Peguei o meu terço na bolsa. Andava o mais rápido possível para não correr. Eu já tinha passado por lá antes, mas durante o dia e acompanhada por alguns colegas da faculdade. Sabia que não seria uma experiência agradável, muito menos passaria rápido como da vez que estava acompanhada... mas seria rápido no relógio, isso que importava naquele momento.
Eu andava rápido e rezava tão depressa quanto as batidas do meu coração permitiam. Quase no meio, me aparece, repentinamente, um ser esguio, estranho, quase da minha altura com o rosto encoberto pelas sombras. Gelei. Não sabia o que fazer... não podia ser deste mundo, era uma criatura que parecia uma criança nua, sem sexo, com unhas enormes, com pés assustadoramente estranhos e uma aura que quase me fez arrancar as contas do terço com os calafrios.
Não consegui gritar e nem sabia se um grito me colocaria em maior apuro. Ela arrodeou o meu corpo e, com a pouca luz que por ali se perdia, consegui ver que não tinha rosto, não tinha a pele do rosto, mas uma face mutilada, cadavérica, digna de uma criatura que tinha acabado de fugir do inferno. Era isso, só poderia ser isso... era um demônio, um enviado de Satanás para me atormentar, para me levar para o inferno.
A criatura ficou me encarando, tentou ficar ereta em minha frente. Eu já me esquecia do terço, eu já me esquecia de Deus, eu já esquecia de mim mesma... só me concentrava naquele olhar sem olhos, naquela rosto sem face, naqueles pés demoníacos, naquelas mãos com garras prontas a me agarrar e naquela mandíbula cheia de dentes para arrancar toda a minha carne magra de meus ossos que tremiam geladamente.
Não me agarrou, não me devorou... só me encarou. Corri.

sábado, 13 de junho de 2015

Pastor

– Pastor.
– Sim, meu filho.
– Eu estou com uma dúvida.
– Diga qual a sua inquietude. Deus me deu o dom da palavra e da revelação. Se for da Sua vontade, as suas dúvidas serão sanadas, Amém?
– Amém. – Pastor, eu não estou entendendo algumas coisas que estão na Bíblia... que estão ou não estão.
– Como assim, irmão?
– Os dinossauros, por exemplo. Não estão na Bíblia.
– Eles não existiram.
– Não?
– Não. Se não estão na Bíblia, não existiram.  
– Mas e os fósseis?
– Tudo obra do inimigo para tirar o seu foco em Jesus, Amém?
– Amém. – Mas e toda teoria evolucionista. Os cientistas discordam que o homem veio do barro.
– Também é mentira. Artimanhas do inimigo. Olha, irmão, você já viu macaco virar gente?
– Não, pastor.
– Então. Se macaco virasse gente, não teria mais macacos no mundo, Amém?
– Amém. – Mas, pastor, se Deus fez apenas Adão e Eva, e se todos os seres humanos são seus filhos, por que somos tão diferentes. Asiáticos são de um jeito, africanos de outro, europeus mais ainda... deveríamos ser mais iguais, não?
– Olha, irmão, o inimigo está te fazendo questionar a obra de Deus. Apesar de sua incredulidade, eu te respondo. Você tem filhos?
– Tenho.
– Eles são iguais?
– Não, mas são bem parecidos.
– Se você largar um de seus filhos num deserto africano e outro no inverno russo, eles ficarão parecidos depois de alguns anos?
– Não, pastor. Mas você acha que o que vai viver na África e, consequentemente, ter a pele queimada vai fazer netos mais morenos que o outro que ficou na Rússia?
– Mas é claro, irmão. Por que não fariam?
– Porque...
– Olha – o pastor interrompeu de súbito. – Você não dá o dízimo há dois meses, não é verdade? Por quê?
– Porque eu estou com algumas dúvidas sobre a minha fé, pastor.
– Como você quer que Deus te proteja do Diabo se você não é fiel no dízimo, irmão? Faça um propósito com Deus. Dê seu dízimo em dia... pode parcelar os atrasados no cartão... e faça uma oferta do tamanho que você deseja a sua fé. Te garanto, em o nome de Jesus, que você não vai mais ser atormentado pelo inimigo, Amém?
– Amém.


terça-feira, 9 de junho de 2015

O pônei ceifador

Dedé estava caminhando pela floresta. Ele procurava madeira para fazer uma fogueira para São João, e como havia chovido muito, nenhum galho que encontrava era seco o suficiente... e ele teve de ir cada vez mais para o meio do mato. Para piorar a sua situação, começou a chover... choveu forte por um momento, depois a chuva se abrandou. Ele deu graças a Deus pelo sol que despontava no horizonte ajudando a formar um arco-íris belíssimo que findava a poucos metros, em uma caminhada de menos de dez minutos.
Nosso protagonista correu para tentar chegar até o arco-íris. Sabia há muito tempo que não haveria nenhum pote de ouro, mas nunca teria outra oportunidade de chegar até o fim de um arco-íris na vida. Ele, enfim, chegou. Achou que não iria dar tempo, mas chuviscava um pouco. Dedé ficou encantado com o que viu. Entrou no arco-íris e enxergou o mundo completamente colorido. Ainda dando a primeira gargalhada de alegria, ouviu o som de um cavalo bem próximo. Tudo bem, ele não tinha medo de cavalos.
O som ia se aproximando cada vez mais até que pareceu tão próximo quanto o som de um mosquito nos seus ouvidos em noites quentes de primavera. Virou-se de imediato para trás e viu um pônei. Um belo pônei colorido que vinha correndo, cavalgando em sua direção. Dedé ficou perplexo. Não sabia o que fazer... não sabia se era sonho, não tinha bebido aquele dia. Se beliscava, mas cada vez mais o pônei colorido foi se aproximando até que ele pôde vê-lo um pouco mais de perto. A única coisa que não parecia ser miniatura naquele cavalinho era o seu sexo, que veio rijo pronto ceifar o pobre rapaz.
Ao perceber que seria vítima de um atentado sexual, Dedé correu mais do que achava que poderia... em seu encalço, vinha o pônei colorido sedento por sexo. O ar começou a rarear, as pernas começaram a falhar ao mesmo tempo em que o desespero tomava conta do seu coração. Ele tentou gritar, mas já não tinha fôlego. Num segundo, ele já tinha sido dominado pelo pônei colorido.
Dedé não sabia, ele não conhecia, ele mal acreditava, mas naquele momento ele tinha sido a mais nova vítima do pônei ceifador, uma criatura mitológica que passeava pelo arco-íris no desejo incontrolável de desvirginar rapazes. Depois de três dias, o pobre ex-moço foi encontrado ainda com vida, mas muito debilitado. Ele foi levado para o hospital. Todos tiveram compaixão e não deixaram o fato se espalhar, apesar de não saberem o que, de fato, acontecera.
Dedé voltou a sua vida normal. Depois de umas semanas, nenhuma sequela física havia ficado. No entanto, nunca mais ele poderá ver um arco-íris, nunca mais ele conseguirá ver pôneis e cavalos, mesmo na tevê e nunca mais, nunca mais enquanto ele existir, irá se aproximar de um arco-íris. Mas ele falará para todo mundo que no final do arco-íris tem um pote de ouro, pois ele não vai querer sofrer aquilo sozinho... ele, inclusive, incentiva amigos a irem até o final do arco-íris... ele quer ter com quem partilhar a sua experiência traumática. 

sexta-feira, 5 de junho de 2015

O palhaço assassino da Rua 417


Ilustração André Silva
           Morava na Rua 417 um palhaço muito engraçado que costumava fazer apresentações na porta de sua casa quando não estava em algum circo ou fazendo campanha para um supermercado ou loja de brinquedos chineses. Ele era muito querido por todos... uma das figuras mais cativantes e amistosas do bairro.
            Meninos e meninas sempre saíam da escolinha e passavam direto na Rua 417 para apertar a mão de Palhaço e assistir aos seus números de mágica e toda a sua palhaçada. Era sempre uma festa. Ninguém sabia quem ficava mais feliz com as visitas das crianças, que foram crescendo e, aos poucos, se esquecendo do palhaço que, já sem circo e sem muito ter onde se apresentar, ficava cada vez mais solitário.
            O que antes era alegria, motivo de acordar sorrindo e pensando num novo truque, numa nova piada, agora era motivador de raiva. Não podia mais ver uma criança, não podia mais ver alguém se divertindo que lhe batia uma ira incontrolável, mas ele não era um mal sujeito, ele queria trazer a verdadeira alegria àquele bairro novamente.
            – As pessoas hoje andam muito felizes... Antigamente, quando a situação financeira era pior, todos precisavam de mim... agora, qualquer criança pobre tem celulares modernos, videogames de última geração... Eles não são felizes de verdade...
            Palhaço começou a matutar um plano para acabar com a alegria das pessoas. Mas de que adiantaria extinguir com a felicidade alheia se ele continuaria amargurado, triste, solitário? Não era justo acabar com a felicidade alheia se isso não lhe daria nada em troca – Já sei! Preciso de piadas novas, de truques novos, de bordões modernos!
            O morador da casa mais colorida da Rua 417 começou a se atualizar... passou semanas lendo, assistindo aos vídeos de humor da moda, treinando novos truques de mágica. Ele sentia que estava pronto para voltar à ativa – mesmo que nunca tivesse saído. Estava pronto para fazer as pessoas rirem dele novamente... E ser o motivo da alegria dos outros era o que lhe proporcionava a felicidade.  
            Tudo pronto, vizinhos convidados, balas, doces, pirulitos coloridos. Naquele fim de tarde de sábado, Palhaço iria voltar com novidades e alegrar todo mundo novamente. Um carro de som passou pela manhã, mas, apesar disso, ninguém apareceu. Ninguém parecia precisar de um pouco de alegria. As crianças não se interessaram, os pais tinham equipamentos eletrônicos de ponta e uma assinatura de TV riquíssima. Por que iriam para um showzinho de Palhaço, o palhaço do fundo de quintal?
            Palhaço montou um plano. Ele mataria alguém do bairro. Dona Edilene era a mulher mais velha da vizinhança. Uma verdadeira matriarca que gerou muitos dos que fundaram a escola, a igreja e o posto de saúde. À noite, na calada, ele foi até a sua casa. A matou com um martelo colorido. Ela nem pode reagir no auge dos seus 99 anos. Tudo já estava programado para a festa do seu centésimo aniversário no mês seguinte. No entanto, a tristeza que tomou conta de todos foi muito passageira. Ninguém procuraria os serviços do palhaço do bairro por conta da morte de uma velha que já tinha passado da hora.
            Desta vez, ele faria o que achava mais certo. Matar uma velha já a beira da morte não tinha sido um bom plano. É certo que todos da região a amavam, mas daí a perder a capacidade de se alegrar por conta de uma senhora de quase cem anos é querer um pouco demais... se fossem crianças, se fosse uma tragédia... se fosse algo que acontecesse na igreja, no catecismo. Sim... agora, Palhaço tinha um plano.
            Foi, de fato, uma tragédia. Três crianças na primeira infância foram encontradas vítimas de morte violenta na creche do bairro. Saiu no RN TV, saiu no Jornal Nacional, saiu no Fantástico como nota. Comoção geral dos moradores do bairro em que ficava a Rua 417. Um conforto: Palhaço, o palhaço tinha anunciado há poucos dias um novo show com novas piadas, novos truques e bordões modernos. Passado o luto inicial, o mais dolorido, todos foram à Rua 417 comer balas, picolés e pirulitos que deixavam a língua azul. Toda vez que algo macabro acontecia, Palhaço tinha seus momentos de felicidade. Ele alegrava um pouco a vida de quem tivera sido marcado por alguma tragédia.