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sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Companheiro Ema e o Barba

 


Deu tudo certo, a festa foi linda e nenhum incidente que oferecesse algo além de mais vergonha aos famigerados e fundamentalistas lunáticos aconteceu. Dia 01 de janeiro de 2023. No relógio, já era dia 02, mas o dia só muda quando a gente dorme. E o Presidente – sim, sempre, ele, com P maiúsculo – não poderia dormir sem cumprir mais um ritual, improtocolado.

– Olá, meu velho amigo.

– Opa! Quanto tempo... Estava te esperando.

– Eu sei, Companheiro Ema, mas o dia hoje foi corrido. Vim pra cá assim que deu, sabe?

– Não tô falando de hoje, Barba. Você sabe o que eu e as outras Emas passamos?

– Mas, companheiro. Não dependia de mim!

– Tem menino novo aqui que acha que é mentira que aqui já teve morador legal. Eu conto as histórias e o pessoal nem lembra. Dos antigos, só fiquei eu.

– Sinto muito. Eu fiquei sabendo.

– Mas não veio aqui fazer uma visita.

– Eu não podia. Eu também fiquei preso por conta de todo esse golpe contra o país.

– Barba, a JurEma, minha esposa, morreu!

– Sinto muito. Sei o que você está sentindo.

– Sabe não, Barba! Você tá casado com uma gata. Eu já tô velho e ninguém daqui me quer.

– Eu vou mandar botar mais algumas emas fêmeas aqui no jardim.

– Não é sobre isso, cara. Você não tem noção!

– Eu tenho, companheiro. Estou aqui hoje para falar contigo. Eu poderia estar transando agora e tô aqui! – disse o Presidente sorrindo.

– Ah, vá. Mas não tem noção mesmo! O maluco queria me dar remédio de malária, meu irmão.

– Mas você fez muito bem em ter bicado ele, companheiro! – disse o Presidente meio cansado, mas rindo bastante com o reencontro.  

– Saiu no jornal, né?

– Saiu em tudo quanto é canto! Até eu que não tenho celular vi os memes.

– Ainda bem que alguém riu desta história – disse Ema claramente mais leve.

– Agora as coisas vão mudar. Vamos tomar cerveja e comer picanha, companheiro... e...

– Porra, Barba, tu vai meter esse papo carnista pra cima de mim?

– Desculpa, companheiro Ema. Vou mandar lá no cocho aquela ração premium que você gosta.

– Sério? – perguntou a ave extremamente animada.

– Claro, companheiro. Eu disse que a gente ia sorrir de novo.

– Verdade... tô rindo aqui e nem tenho dentes – disse Ema sorrindo.

– Vamos sorrir muito ainda, companheiro. Está só começando.

 

*Imagem do Google

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Rodrigo Slama 30/12/22

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Cadelinha do Neymar 02 - Beijem minha bunda!

 


 

– Viu? Eu disse que a tatuagem ia funcionar. O menino Ney jogou muito hoje! Fez gol e já já alcança o Pelé!

– Ele fez gol de pênalti!

– Ele é excelente batedor.

– Sim, tudo bem, mas ele nem sofreu o pênalti.

– Foda-se, ele é o batedor oficial. Vai bater todos os pênaltis. Pênalti não é gol?

– É... estou querendo dizer que outros jogaram melhor.

– Conversa, seu antiney! Sem ele, a gente perdeu!

– Cara, a gente tava sem nenhum jogador titular! Tanto ele quanto os outros não jogaram! Futebol é um esporte coletivo,  não joga só um contra onze, não.

– Ele faz diferença e minha tatuagem limpou a energia ruim de vocês, seus fascistas!

– Cara, da onde você tirou que quem não gosta de Neymar é fascista!

– Vocês mesmo não disseram que quem deseja a morte dos outros é fascista? Que quem gosta do presidente fascista é fascista?

– E quem aqui está desejando a morte de Neymar?

– É, a gente só não gosta dele.

– Fascistas!

– Tá falando merda!

– Merda? Vocês não gostam do Brasil. Eu sou de esquerda, mas não sou comunista. Comunista é fascista!

– É o que, cara? – disse rindo, achando que era graça.

– Tô falando sério – ele disse sério.

– De ondo você tirou isso?

– Olha. Hitler era fascista, matou muita gente. Stalin também matou muita gente, ele também era fascista. Comunismo e fascismo são a mesma coisa.

– Cara, de onde você tirou isso? São coisas completamente diferentes.

– Mas o partido do Hitler tinha social no nome.

– Mas tinha nacionalista também. O comunismo não é nacionalista.

– Por isso que vocês torcem contra o menino Ney.

– Não tem nada a ver!

– Comunismo e fascismo são a mesma coisa!

– Não! O nazi-fascismo pregava a ideia de uma raça superior. O genocídio dos não-caucasianos era pilar do fascimo. No comunismo, todos são iguais.

– Mas Stalin matou igual Hitler!

– De onde você tirou isso? No mínimo, Hitler matou dez vezes mais! E o capitalismo mata mais do que Hitler!

– Agora você tá defendendo Hitler também?

– Não! De onde você tirou isso?

– Você está defendendo Hitler e querendo que Neymar quebre a perna, argentino filha-da-puta!

– Agora argentino virou palavrão?

– Quem não é brasileiro é inimigo!

– Inimigo?

– No futebol? Não sou vocês, fascistas, que querem que Neymar quebre a perna.

– Ninguém aqui quer que Neymar quebre a perna!

– Justamente!

– Pois é!

– Não acredito – disse a cadelinha insegura –. Quero que vocês provem?

– Não precisamos provar nada, cara. Se liga!

– Só acredito que torcem pelo Brasil se beijarem minha bunda.

– O quê?

– É o que, macho?

– Beijem minha bunda. Todos!

 

 

Rodrigo Slama 09/12/22  
* Imagem do Google

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sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Cadelinha do Neymar




- Não é bem assim, tem que separar o pessoal do profissional!

- Nada a ver. Uma pessoa não pode ser dividida.

- Uma coisa não tem nada a ver com a outra. A gente precisa dele pra ser campeão. 

- Mas fomos campeões cinco vezes sem ele.

- Mas precisa agora. Não dá pra comemorar lesão de jogador.

- Não tô comemorando, só tô dizendo que a gente não precisa dele.

- Precisa! 

- Ganhamos da Bélgica sem ele. Não tem lógica achar que ele, só ele, faria diferença hoje.

- Faria. O menino joga bonito. Amo o Neymar! 

- Cara, ele prometeu gol pro genocida, não posso torcer pra ele.

- Não tem nada a ver. Não pode misturar as coisas.

- Ele deixou de ver criança doente porque o hospital era espírita. 

- Ele tem a fé dele. O menino é evangélico! 

- Ele sonegou impostos. Muita gente deixou de comer, ter remédio, ter assistência por causa dele.

- Mas não pode misturar as coisas. Sua energia ruim prejudicou o Brasil. 

- Brasil não é só futebol!

- Eu sei, mas a gente precisa dele.

- Cara, melhor você parar de beber.

- Vou nada! Vou tatuar Neymar e é agora! 

- Mano, você nem gosta de tatuagem.

- Preciso fazer algo pra ajudar o menino Ney. A energia de vocês tá prejudicando o Brasil! 

- Cara, você tá falando merda!

- Merda? Você é fascista!

- Eu, tu nem sabe o que é fascista.

- Fascista é quem não gosta do ser humano. Você não gosta do menino Ney, você é fascista! 

- Macho, pare de beber, você tá falando merda!

- Merda quem tá falando é você. - Mãe, me traz um prestobarba aí! 

- Tu vai fazer a barba agora? - veio a mãe dele preocupada da cozinha.

- Não, vou me depilar pra fazer uma tatuagem. 

- Não vai não!

- Vou sim, já tenho quarenta anos e a senhora não manda em mim.

- Mando sim. Enquanto morar debaixo do meu teto vai me respeitar. 

- A senhora também com essa energia pesada não ajuda em nada! 


O cara de levantou e saiu. Pegou seu 4x4 e foi até a cidade vizinha. Até que encontrou um tatuador e fez uma boa tatuagem. Passou o jogo seguinte mostrando a bunda tatuada pra todo mundo. Quem criticava, era chamado de fascista. Mas tudo bem brigar por futebol. Gente ignorante ama o Neymar, Deus e o Brasil acima de tudo. A seleção venceria o próximo jogo, mas o menino Ney não faria gol algum.


Rodrigo Slama 02/12/22


*Imagem do Google 

Futtobōru




Fazia tempo que os deuses japoneses não trabalhavam tanto. Quando a tecnologia, a civilidade e a educação dedicam-se ao avanço social, ópio deixa de ser eficaz. Mas em tempos de Copa do Mundo até o mais ateu acredita. Quando o assunto é futebol, não existe lógica, ideologia ou compaixão à dor alheia, restam o amor, o bairrismo e a fé.

A fé boa, neste caso, uma fé que quer a dor do outro apenas por levar alguns gols. É uma guerra sem mortos - sem contar os da construção dos campos -, sem sangue, sem espada ou tiro. Uma luta com o único objetivo de sorrir, apesar de tudo. - Pobre menino suíço, em pelo menos algo o Brasil tinha que ser melhor! Olha que Deus não seria brasileiro nem se pudesse escolher, ou melhor, sobretudo se pudesse escolher. 

As divindades que tocavam o Brasil - e são muitas! - estão há muito ocupadas com a miséria e o ódio para terem tempo de ver futebol. Daí quem trabalha na Copa, claro, são os deuses de quem tem barriga cheia e teto para morar. Certamente, os outros até tentam, mas são os dos abastados os que trabalham mesmo neste período. Uns só de quatro em quatro anos mesmo. Os do Brasil não. Pelo menos pra isso não precisamos de ajuda. Hachiman e Benzaiten, no entanto, faz tempo tomaram pra si a missão de alegrar seu povo, mesmo que a sociedade quase nunca precisasse deles. Pelos menos, pelo futebol, eram lembrados... Gostavam de se sentir úteis. 

Não, os seres que ouvem os costa-riquenhos não são mais poderoso. Tengu, Kannon, Amaterasu e todos os outros estavam era mesmo de ressaca naquele domingo de fim de novembro. Foram dias de festa. Ganhar da Alemanha não foi fácil... claro que vacilaram, mas compensariam contra a Espanha. Estes deuses, como seus fiéis, ainda são aprendizes, mas não arredavam da missão que aceitaram há poucas décadas mortais: os antepassados japoneses estão no caminho de conseguirem seu primeiro campeonato mundial de futebol. Para isso, pelo menos, eles têm motivação. Para mais nada são necessários naquela ilha oriental.


Rodrigo Slama 01/12/22

* Imagem do Google 


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