Era uma menina linda. Todos da rua, da escola, das
redes sociais mais badaladas a admiravam. Ela era linda, linda. – Tem cara de
médica, essa menina – dizia sua tia advogada. – Já decidiu sua profissão,
Giovana? – perguntou seu avô chato durante o último natal. – Vou ser
professora!
Silêncio.
Após os instantes de calma que antecedem os
bombardeios, todos a questionaram, coitada da linda moça, o motivo pelo qual
ela queria enfrentar uma vida sofrida de sala de aula com um salário miserável,
sem contar no tipo de marido que iria arrumar. – Ninguém quer casar com uma
professora... logo, logo, você vai ficar feia e gorda! – a prima dela,
estudante de psicologia, bradou.
Contra todos e confiando em seu desejo, prestou
vestibular entrou no seu sonhado curso de licenciatura. Ela continuou chamando
a atenção de todos. Alunos de outros cursos, colegas, professores,
professoras... Todo mundo era atraído pela beleza ímpar da jovem estudante.
Muitos, sobretudo muitas, desacreditavam em sua vocação, achavam que ela estava
fazendo hora no curso, adiantando disciplinas comuns até passar no seu
vestibular certo.
– Olha só! Não passou em Direito e está aqui
pagando produção textual I com a gente só pra adiantar o curso. Duvido que ela
passe!
Mas passou. Não só passou na disciplina em questão
como passou com notas bem acima da média em todas as disciplinas daquele
primeiro semestre. E foi passando com louvor, com louvor, com louvor até a
colação de grau e inevitável láurea.
Durante os quatro estágios obrigatórios, foi se
afinando cada vez mais à profissão. Ela tinha certeza que escolheu o curso e
profissão certos. Em pouco tempo, já dava aula em escolas particulares. Mais
rápido do que se imaginava, passou num concurso para a rede pública. E ao
contrário da praga de sua prima, parecia ficar cada vez mais linda.
Os meninos não perdiam a sua aula. Eram bastante concentrados.
Não davam trabalho. No entanto, apesar de não tirarem os olhos da professora,
as notas naquela disciplina não aumentavam nunca. Alguma coisa havia de errado.
– Mas Giovana é uma pessoa tão capacitada! Acabou de passar na seleção de
mestrado, analisamos a sua aula e foi perfeita! – argumentava em seu favor uma
das coordenadoras.
Não demorou muito até questionarem a sua competência.
Giovana era linda. Mais linda do que muita atriz de tevê. – Ela está
desconcentrando os alunos – um dos professores sugeriu. – Eu também, acho. Até
me questiono se suas aulas são tão boas assim para ela trabalhar nas melhores
escolas da cidade – corroborava uma professora já em final de carreia.
Eram ataques que não terminavam nunca. Ataques
traiçoeiros, pelas costas, pois ninguém era capaz de argumentar com Giovana.
Até questionavam o seu planejamento, todo o seu trabalho extraclasse, pois uma
pessoa tão linda, tão em forma não deveria ter tempo de planejar aula e
corrigir bem as provas, já que vivia em academias e clínicas de estética que
ajudavam a sua beleza natural a se destacar.
No entanto, mais do que ter um corpo bonito,
Giovana gostava do seu trabalho. Muita gente começou a insinuar que era a sua
beleza que atrapalhava os alunos. Além de linda, ela era gentil, dinâmica. Os
alunos adoravam as suas aulas. Mas algo nela, diziam, estava errado. Prometeu,
então, a si mesma a se tornar uma professora inquestionável. A única coisa que
dava margem para a discussão era a sua beleza, portanto, era isso que ela iria
mudar primeiro.
Logo após a epifania, deixou de ir à academia,
fazer suas corridas regulares, a frequentar os salões de beleza e estética.
Além disso, ela abandonou a dieta, começou a comer compulsivamente na tentativa
alucinada de evitar qualquer crítica.
Em pouco tempo, o seu corpo começou a se modificar.
Ela teve de comprar roupas novas, abandonar os saltos. O seu rosto também
começou a mudar. Ela ganhou muitas espinhas, algo que não teve durante toda a
puberdade. As suas bochechas, agora, faziam com que seus olhos se fechassem
durante os sorrisos... Ela estava completamente mudada... até o cabelo mudou.
Em um ano, Giovana havia engordado muito. Não tinha
mais beleza, pelos menos a beleza do padrão atual da sociedade. Restava apenas
um arremedo do que um dia foi o seu principal atributo. Em dois anos, os alunos
novatos já não sabiam da sua fama de bela, algo que os veteranos faziam questão
de lembrar... mandavam fotos pelo WhatsApp, relembravam cenas da professora
apagando o quadro de uma forma que eles julgavam sensual. E isso, de certa
forma, a deixava triste.
Os seus superiores, de todas as escolas, entenderam
o seu empenho em melhorar a sua atuação profissional, mas algo ainda estava
errado. Giovana havia engordado 73kg, mas as notas dos alunos ainda estavam
baixas. Eles continuaram prestando atenção nas aulas, pois, de fato, as suas
aulas eram bem significativas, mas as notas não subiam, mesmo quando era prova
da mesma disciplina elaborada por outra pessoa.
Três anos se passaram desde que deixou de ser a
professora gata para ser a professora gordinha legal. Talvez fosse isso, eles
induziram. Não era muito vantajoso para ela ser legal. Giovana não enfrentou
dificuldades para entrar numa depressão e adotar uma postura mais ranzinza em
sua vida. Não tinha mais um riso fácil, não era mais gentil. Havia se tornado física
e psicologicamente um retrato fiel das pobres professoras do passado, as que
servem de exemplo ruim. E as notas... as notas dos alunos não mudavam.
Tentou de tudo. Saiu da sua metodologia inovadora e
assumiu um ensino pautado na memorização. Os alunos, agora, não tinham mais voz
em suas aulas, que eram centradas, sobretudo, no livro didático sem fazer
referência a nenhum conhecimento do mundo real. Mas as notas... as notas dos alunos
continuavam as mesmas.
Foi demitida das escolas particulares. A escola
pública em que trabalhava a colocou na biblioteca, pois não fazia sentido
mantê-la em sala de aula. Para o seu lugar, as escolas contrataram uma
professora recém-formada, cheia de energia, simpatia, alegria, vontade de
inovar e beleza. E as notas dos alunos continuaram as mesmas notas baixas de
sempre.