José Getúlio era do interior, num grotão bem longínquo, numa cidade tão pequena que nem era conhecida como cidade. Como tantos outros, Zé Getúlio veio tentar a vida na capital. Alguém o tinha falado das maravilhas daqui como a praia, as gringas... Zé Getúlio não sabia nada além de lavorar. Trabalhava no pesado desde menino, desde que começou a perceber-se como parte da natureza, mesmo sem saber.
No
ônibus, a caminho da maior cidade do seu estado, José se admirou com algumas
coisas como o posto de gasolina, por exemplo. Mas nada o impressionou mais do
que um avião, que ele vira rasgando o céu como um anu. – A sua cidade era tão
isolada que nem avião passava por cima –. A não ser por uma vez num filme que
passava na televisão do seu Tobias, apontador de jogo de bicho, Zé Getúlio
nunca tinha visto um avião, achava bonito... O pobre parecia um matuto, ou melhor...
Parecia uma criança num planetário, impressionava-se com tudo que de novo via.
Na
capital, assim que chegou, Zé foi procurar serviço, lá mesmo na rodoviária
nova, que cá entre nós, de nova não tem nada, não é mesmo? Um homem, vendedor
de lanches, disse que sem estudos José só encontraria serviço de peão. José com
os olhos mais brilhantes que a sua mãe quando ganha flores no único dia ano que
você diz que a ama, perguntou se o vendedor podia lhe dar um endereço, uma
referência... qualquer coisa que o ajudasse encontrar lugar pra trabalhar, e
assim o vendedor o fez, deu o endereço de uma empreiteira. Sem lanchar, pois
não tinha muito dinheiro, José Getúlio procurou o tal lugar indicado pelo velho
e bom vendedor.
A
sede da empresa era na zona sul. No caminho, José viu o mar pela primeira vez,
pensou em voz alta: “– Que açude mais grande, quem será que o dono dele?”. Uma
senhora, que também era do interior, mas morava aqui fazia mais de ano, disse
que aquilo não era um açude, mas, sim, o mar. – “O Mar?!?!”. Zé Getúlio desceu
imediatamente, queria ver o mar mais de perto. Só que o caminho até a empresa era
longe, e nosso herói já não tinha mais dinheiro para ir até lá de ônibus. Assim
que se deu conta disso, se enjoou da praia, mas teve de aturá-la por um bom
pedaço do caminho até o local indicado no endereço.
Suado, cansado
e faminto, Zé Getúlio chegou em pleno horário de pico, quando os trabalhadores
estavam a todo vapor. Ele tentou falar com algum encarregado, mas o pessoal do
escritório tava em outro canteiro. Devido à sua simplicidade e à sua linguagem,
caiu no encanto do mestre de obras que lhe ofereceu água e um pão com
mortadela. José se fartara de água. Só pensava em beber como um camelo desde
que vinha seguindo debaixo do som. Ele olhava a água de coco nas barraquinhas
da praia, mas lembrava do seu bolso vazio e furado.
O
mestre permitiu que José dormisse na obra, no dia seguinte falaria com alguém.
Zé Getúlio sonhava acordado, pensava em como sua velha mãe iria achar bonito o
mar, os ônibus com assentos confortáveis, roletas e letreiros luminosos. Ele
fazia planos, queria uma vida melhor, por isso esqueceu do difícil primeiro dia
e dormiu como um bebê após a amamentação.
No
dia seguinte, Zé acordou junto com o sol. Mesmo sem o seu galo, Billy, ele
levantou na mesma hora de sempre. O mestre
de obras convenceu seu superior a contratar José Getúlio, mas logo veio o
primeiro empecilho: José não tinha RG, CPF e Carteira de Trabalho, mas ainda
bem que carregava o registro dentro de um pano alvo e um saco plástico, cuidava
daquele único documento com o maior cuidado e temor.
Um
arquiteto estagiário se ofereceu pra levar Zé pra fazer os documentos, ele
estava indo pro aeroporto, iria ver se a mala que tinham extraviado na sua
última viagem havia sido recuperada, já que por telefone não se resolve nada
mesmo, na volta, poderia levar o Zé para tirar os documentos.
No
início Zé, ficou acanhado, com vergonha do moço estudado e de carrão. Mas logo
foi se soltando, pois viu que César era um cara legal.
– Você já foi
no aeroporto, Zé? – perguntou César.
– Não, senhor–
respondeu como quem fala pra dentro, o pobre do José Getúlio.
– Que isso,
rapaz? O Senhor está no céu. Me chame de você – respondeu simpaticamente César.
– Tá Certo,
Doutor? – falou mostrando mais a voz desta vez.
– Que porra é
essa de doutor? Deixe de ser matuto e me chame de você, galado – César ria e
dava tapinhas no ombro de Zé.
José Getúlio
não sabia ainda o que significava galado, mas deduziu pelo tom de César que
galado queria dizer amigo, e sorriu todo pomposo e pensou: – Se o povo do
interior souberem que virei amigo de doutor, vão querer votarem ni mim para político
e tudo.
– Ô, eu vou
passar no aeroporto rapidinho, depois a gente passa na Central do Cidadão pra
tirar seus documentos, ok?
Zé Getúlio disse
que sim com a cabeça. Tentou não transmitir o nervosismo e o entusiasmo que
estava sentido por saber que iria conhecer o aeroporto. Ele pensava em sua mãe,
sua velha mãe que nunca tinha saído do sertão, ela ficaria feliz ao conhecer o
mar como ele o fez no dia anterior, e também o aeroporto. José conversava
consigo mesmo e, em pensamento, prometia a si mesmo trazer sua mãinha no
próximo ano, quando ele haveria de ter um bom dinheiro, pois iria se esforçar
mais que tudo para se dar bem na obra que caiu do céu para sua extrema alegria.
Os olhos do nosso protagonista brilharam,
talvez um brilho mais intenso do que quando o céu ameaça chuva no sertão entre
o meio e o fim do período de estiagem, assim que viu o primeiro avião já no
céu, César, ao perceber tal encantamento, decidiu levar Zé Getúlio no segundo
andar do aeroporto para que ele visse a pelo menos uma decolagem.
Assim
que se deu conta do que estava vendo, assim que percebeu um avião decolando, Zé
não conteve sua curiosidade e espanto e perguntou ao arquiteto:
– Cadê a rampa,
homi?
– Que rampa,
Zé?
– A rampa por
onde o avião sobe. A rampa.