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quinta-feira, 6 de novembro de 2008

O homem que engoliu a Lua







Augusto – que tinha esse nome porque sua mãe adorava o poeta paraibano Augusto dos Anjos – gostava muito de brincar no rio, no campo... enfim, gostava muito de brincar.
Ele tinha um amigo chamado Pasqual, com quem mais brincava e se divertia.
A moda da época era brincar de astronauta, pois o homem havia acabado de pisar na lua, mas Augusto não gostava muito de brincadeiras futuristas, porém Pasqual o incentivou a construir um foguete consigo, e Augusto, com oito ou nove anos, aceitou.
Os meninos trabalhavam dia-a-dia, corriam contra o tempo para que o foguete ficasse pronto até o natal. E eles conseguiram esse feito.
Passavam o dia inteiro a imaginar que aquele foguete os levava à lua, às estrelas... foi assim por todo período de férias.
Pouco duradoura a alegria acabou, Augusto conheceu a tristeza quando Pasqual mudou de cidade com os pais. Passou dias cabisbaixo, quase sem querer comer. Não era para menos, seu companheiro de viagens o abandonara. O menino então começou a se dedicar aos estudos, formou-se aos vinte e três anos em Direito, casou-se, teve dois filhos, era feliz.
Mal lembrava de sua infância, Pasqual em sua mente era uma vaga lembrança, Augusto nem sabia mais ao certo o nome do antigo amigo. Num dia rotineiro e de nublado, um homem bateu em sua porta, era um vendedor de coisas, o homem vendia de tudo, cadeira, sofá, Bíblias... e Augusto comprou uma vara de pescar.
O doutor Augusto, como era chamado por seus clientes e amigos, nem mais lembrava o que era pescaria, e depois de uns minutos se arrependeu de ter gasto vinte e dois reais e setenta e cinco centavos naquele inútil caniço.
Alguns dias depois, Augusto brigou com sua esposa e foi para o quintal, era uma noite de lua cheia, ele pegou a porcaria da vara e lançou, como alguém que quer pegar um pássaro, o anzol em direção ao céu.
Por mais incrível que possa parecer, o anzol foi alto, muito alto, mais alto de que o prédio vizinho, e, após uns minutos, ele se afixou a algo firme. Augusto começou, então, a enrolar o molinete de volta, por uns instantes fingiu não acreditar, mas ele tinha pescado a Lua.
Cada vez mais o satélite se aproximava dele, ele espantado chorava descontroladamente, sem saber por que estava chorando, foi quando, enquanto Augusto permanecia boquiaberto com o fato que acontecia diante dos seus olhos, ele engoliu a Lua.
Foi um pouco incomodo, a Lua quase o entalou. Augusto, que era mais magro que o louco de a Mancha, ficou imenso, dizem uns que ele não poderia ter a mesma aventura de Jonas. Sua mulher não entendeu muito bem o que Augusto dizia, pois sua voz havia mudado, tinha ficado mais grave, era quase um baixo extremo. Quando Ana, esposa do pescador mais gordo do planeta, tornou a si depois de uma série de desmaios pediu-lhe o divórcio. Augusto hoje está imenso, mesmo após a complicada cirurgia que lhe arrancou a Lua do bucho. Ele se acostumou com o tamanho que adquiriu, e para preencher o vazio que a Lua o deixou ele teve que engolir um cometa que passava perto da Terra, mas devido a isso Augusto sofre muito com a azia. Isso só prova que Augusto é forte, queimação de cometa não é para qualquer um.

*Imagem do Google

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Dias Ímpares

Paínho me disse uma vez: - Filho não saia de casa nos dias ímpares, você não que ver sua mãe chorar de dor. Nunca acreditei nisso, mas obedecia sem reclamar.
Eu só saía de casa dia 02, 04... enfim... só em dias pares. Odiava os meses que têm 31 dias, pois ficava dois dias seguidos trancafiado.
Paínho nunca me fez entender ao certo o motivo de meu recato nos dias ímpares. O pessoal da escola já sabia, a professora não dava falta e “obedecia” as crendices do meu pai.
No dia 03 de março de 2005 meu querido pai morreu, nesse dia eu não quis sair de casa, estava triste. No dia seguinte foi o velório, ele foi enterrado no cemitério do Alecrim, nós morávamos lá perto. O enterro foi triste, minha mãe chorava assim como minhas tias, só quem não chorava era minha irmã que ria, tadinha! Ela não sabia o que estava acontecendo, mas eu sim. Eu sabia que nunca mais iria ver meu pai, pelo menos eu podia sair de casa todos os dias sem problemas... É! Toda tragédia tem seu lado positivo, assim pensava eu com oito, na verdade quase nove, anos de idade.
Os dias foram se passando, Aninha, minha irmãzinha, perguntava: - Mã, adê Paínho? Minha mãe chorava e dava comida a Ninha ao mesmo tempo. Eu começava a sentir necessidade de sair de casa, mas não saía, só nos dias pares. Era engraçado, meus amigos me chamavam pra jogar bola, e eu sempre dizia que não podia porque Paínho não deixava, mas agora eu poderia sair sem problemas, fosse dia 07 ou 13. Mainha até dizia: - Manuel, vá brincar! Você precisa se distrair, meu filho, vá!
Assim foram se passando os dias, as semanas... E era missa de um mês da morte do meu pai. Eu nunca entendia como ele apenas pediu a mim que não saísse nos dias ímpares, minha mãe ia à feira, Ninha ia à creche, e eu? Eu permanecia com meu pai em casa, ele lendo e estudando, e eu estudando e esperando o dia acabar.
Mãinha deixava Ninha na creche e saía para procurar emprego. Só meu pai trabalhava em casa, trabalhava dia sim e dia não. Ele era vigia! Paínho, no dia que tinha vago, os ímpares, não saía de casa pra nada, o meu velho gostava muito de ler jornais e a revista Época. Eu, de tão traumatizado com a prisão domiciliar, detestava e odiava qualquer tipo de jornal e revista, exceto as de mulher pelada, que Marcelo Henrique levava pra escola de vez em quando.
Mãinha não encontrara emprego. Decidiu fazer bolos e salgados pra vender. Ela pediu empréstimo ao banco, foi até fácil conseguir, pois paínho era funcionário público e mãinha ficou com a pensão, pensão esta que não era suficiente, já que maior parte da renda de Paínho vinha de artesanatos que ele fazia e mandava pras velhinhas do centro comunitário venderem.
Eu tomei o hábito de ficar em casa nos dias ímpares. Ficava sozinho. Uma das coisas que mais odiei nesse período foi quando a televisão pifou. Ah! Como eu fiquei irado, peguei ar, viu? Mas mesmo assim não saía de casa.
Logo me deu curiosidade de saber por que Paínho trocava os dias de folga, que eram sempre os ímpares, pra ficar lendo, lendo, fazendo artesanato dos mais variados, e lendo. Corri até a estante de livros e peguei um que se chamava Memórias Póstumas de Brás Cubas. Ele me chamou a atenção logo na primeira página onde havia escrito mais ou menos assim: “Dedico este livro ao primeiro verme que me comeu...”, não sei... ou melhor, tenho certeza de que não são estas as palavras utilizadas por Machado de Assis, o escritor da obra, sabe? Eu com nove anos e meio achei muito difícil entender aquele livro. Era gozado. As memórias eram do tal Brás Cubas, mas quem escreveu foi Machado de Assis.
Paínho gostava também de ler gibis, eles ficavam na prateleira de baixo da estante. Li todos eles, um mais legal que o outro. Descobri que muitos dos desenhos que eu assistia na televisão, que mãinha disse que ia comprar, porém não tinha comprado ainda, estavam também nos gibis do meu pai. Mas era mais divertido no gibi, pois eu poderia ficar o dia inteiro lendo. Eu fazia muito isso. Eu não gostava de esperar até o dia seguinte para saber o que tinha acontecido com o Super-Homem após ter sido trancado numa cela com grades de criptonita.
Na medida em que os gibis iam acabando, eu ia subindo a prateleira. Lá tinha A Ilha do Tesouro, Peter Pan.... e inúmeros outros livros massas. Quando eu chegava da escola, nos dias pares, eu corria pra estante. A diretora do colégio tinha proibido mãinha de me deixar levar livros pro colégio, pois eu só queria ficar lendo na sala de aula.
Conforme os anos foram passando, eu fui lendo os livros de paínho, que agora eram meus. Mãinha dizia que era minha única herança. Ninha foi crescendo e eu fui a ensinando a gostar de gibis. Ela adorava ler gibi. Num belo dia quem eu encontro no meio da prateleira do meio? Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Eu o segurei frente aos olhos por alguns segundos, longos e admiráveis segundos e o pus contra o peito pra pensar...
Decidi por fim ler o tal livro que eu não consegui passar da primeira página. Sentei na cadeira de balanço de paínho, que ficava mais ou menos na frente a estante de livros, e comecei a ler aquela obra.
Li novamente a dedicatória, li a primeira, a segunda e todas as páginas daquele livro. Passei a manhã de um dia ímpar lendo aquele livro. Pense num livro massa! Machado de Assis foi mesmo o maior gênio da literatura nacional, e Brás Cubas, aquele malando! Começa o livro contando como foi o velório, seu próprio velório. A gente se pergunta: Se já sabemos desde o início que ele morreu que graça tem? Não vou dizer! Leia também Memórias Póstumas e você vai saber.