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The first of them

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            Agora, nós já estamos terminando. Somos as últimas folhas da caatinga caindo na acendalha de uma estiagem eterna. Até onde chegaria a nossa Evolução se continuássemos aqui por mais alguns milhares de anos? Sabe o que é curioso?... Eu sempre quis ver o fim do mundo. Egoísmo? Não sei, mas também queria ver o que seria do mundo sem mim. Talvez seja este mundo agora. Assim... Sei nem se a gente ainda está aqui. Os poucos que nasceram depois da pestilência não duraram muito. Nem chegaram a aprender a falar direito. Não sabiam de nada. Nem sei se a gente pode chamar de ser humano... apesar da casca ser a mesma, por dentro eram todos ocos, mas também, nós não conseguimos ensiná-los muito bem sobre nada. Era só tentar sobreviver. E não dá para sobreviver carregando uma criança que nem sabe correr ainda, chora, come... Eu mesmo não dei conta disso. Era 2023. Nem me lembro quanto tempo passou depois disso. Nos perdemos nas contas ou as contas se ...

Entre sapos, pombos e cookies

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– Cara, tu já reparou no cocô do sapo? – Como é, mano? – O sapo, pô. O cocô! – Claro que não! Ó as viagem... – Cara, eu vi um sapo cagando metade dele de bosta. – É o quê? – chega engasgou rindo. – É, pô. Um sapo, tá ligado? Cagou quase a metade dele de bosta. – Isso é impossível! – Rapaz, eu tô dizendo! Fui ver, o sapo come mosca pra caralho por dia. A gente ia tá muito fodido sem sapo, viu? – Mas de onde você veio com esse papo de sapo, doido? – Ouxe! Tu já reparou no cocô do sapo? – Puta-que-me-pariu, eu tenho mais o que fazer! – Pois eu vi. – E daí, viado? Que que tem o sapo cagar grande? – Que que tem? Que que tem que ainda bem que é sapo! – Ouxente!? – Já pensou se fossem pombos? – É o que, noiado? – Já pensou se os pombos cagassem quase metade do corpo de bosta? – Que papo de doente, cara... – Mas, digaí, já pensou? – Ia ser uma merda! – Ia sim, Quinta série! – rindo somente pela imaginação e pela amizade. A piada, claro, foi rasa. – Pombo come o quê? – N...

As férias de Cristo

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    Depois de muitos anos sem pisar na Terra, resolveu ir num lugar que não frequentava muito. Pegou a mochila, um mapa impresso e um casaco pesado. Queria ver as pinturas sobre ele de que tanto falavam. – Museu grande da porra! Maior que muita igreja por aí! – pensou boquiaberto o Senhor. Foi pegar um guia, tinha de um bocado de idioma, menos no seu. Quem liga para a língua de Jesus? ... Passou de sala em sala. Mirou. Achou estranho ser pintado como um homem bem branco, mesmo nascido no árido... Andava e revia o mesmo retrato de sua vida. Se via apenas como um signo, limitado.   – Meu Senhor, chegou antes do previsto das férias? – Pois é, Biel. A galera lá é muito esquisita. Só tem pintura minha sendo morto. – Não é de se estranhar, Senhor Jesus! A Sua morte é simbólica para a Humanidade... marca seu tempo, sua moral... – Sim, mas SÓ me pintam morrendo... no máximo ressuscitando. Fiz tanta coisa, mas só querem mostrar meu sangue, meus olhos, minha coroa de ...

Companheiro Ema e o Barba

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  Deu tudo certo, a festa foi linda e nenhum incidente que oferecesse algo além de mais vergonha aos famigerados e fundamentalistas lunáticos aconteceu. Dia 01 de janeiro de 2023. No relógio, já era dia 02, mas o dia só muda quando a gente dorme. E o Presidente – sim, sempre, ele, com P maiúsculo – não poderia dormir sem cumprir mais um ritual, improtocolado. – Olá, meu velho amigo. – Opa! Quanto tempo... Estava te esperando. – Eu sei, Companheiro Ema, mas o dia hoje foi corrido. Vim pra cá assim que deu, sabe? – Não tô falando de hoje, Barba. Você sabe o que eu e as outras Emas passamos? – Mas, companheiro. Não dependia de mim! – Tem menino novo aqui que acha que é mentira que aqui já teve morador legal. Eu conto as histórias e o pessoal nem lembra. Dos antigos, só fiquei eu. – Sinto muito. Eu fiquei sabendo. – Mas não veio aqui fazer uma visita. – Eu não podia. Eu também fiquei preso por conta de todo esse golpe contra o país. – Barba, a JurEma, minha esposa...

Futtobōru

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Fazia tempo que os deuses japoneses não trabalhavam tanto. Quando a tecnologia, a civilidade e a educação dedicam-se ao avanço social, ópio deixa de ser eficaz. Mas em tempos de Copa do Mundo até o mais ateu acredita. Quando o assunto é futebol, não existe lógica, ideologia ou compaixão à dor alheia, restam o amor, o bairrismo e a fé. A fé boa, neste caso, uma fé que quer a dor do outro apenas por levar alguns gols. É uma guerra sem mortos - sem contar os da construção dos campos -, sem sangue, sem espada ou tiro. Uma luta com o único objetivo de sorrir, apesar de tudo. - Pobre menino suíço, em pelo menos algo o Brasil tinha que ser melhor! Olha que Deus não seria brasileiro nem se pudesse escolher, ou melhor, sobretudo se pudesse escolher.  As divindades que tocavam o Brasil - e são muitas! - estão há muito ocupadas com a miséria e o ódio para terem tempo de ver futebol. Daí quem trabalha na Copa, claro, são os deuses de quem tem barriga cheia e teto para morar. Certamente, os out...

Do pó à luz

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  Eles conseguiram dar o golpe. Houve resistência, guerra civil. Lula morreu, Chuchu derreteu. Acabou. Havia 215 milhões aqui, não sobrou mais nada. Uma terra arrasada. O continente dizimado. Sobrou pouca coisa. Era melhor continuar num estado de exceção ou ter morrido todo mundo? Vai saber... Agora tudo é pó. Não existe mais nada, não há mais nada. Anos passaram. O sol começou a aparecer. Alguns humanos começaram a retornar à superfície. Todo mundo apavorado. Todo mundo sem criticidade. Sobreviveu só a massa. Os intelectuais, líderes, políticos... todos morreram. Pareceria que o país fora fadado à extinção, não fossem os homens magros saídos das cavernas. Aos poucos, todos se agruparam. Não tinha sobrado mesmo muito lugar pra viver. O que outrora o Sudeste, era apenas o centro... o que restou. Uma ilha sem vizinhos, sem floresta, sem qualquer coisa que lembre um país ou mesmo uma comunidade. Era apenas uma terra destruía, cercada de mato e nenhum fruto. Tudo um deserto de erva...

A Cartomante e o Cético

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  Casa de Tranca-Rua. Cartomante. Mãe Clara de Oyá. Tinha sempre consulta. Tinha vezes em que nem desvirava para almoçar, diziam. Duvido. Duvido de tudo e fui ver, disse. Passei uns dias indo. A leitura das cartas não me pegaria como pegou Camilo. Não! Eu não me deixaria me envolver pelas palavras, promessas, amores e fama de lá. Mas voltei. Voltei em outros horários e forcei uma amizade. Nossa, fazia tempo que eu não conhecia gente nova, ela agradecia por ter alguém pra falar de macho, passear... essas coisas. – Bicha, faz tanto tempo que não saio numa sexta ou num sábado. – Bora, mulher. Bora tirar um dia de folga. – Tenho compromisso com Dona Maria Padilha. – Você tem é boleto, né, mulher? – Como é? – Nada não – disse se fazendo de besta. O tempo passou, não disse o quanto. A gente foi ficando amigo. Ela um tempão chamando que queria ir pro samba no Beco da Lama. Mas já disse que não posso, que tenho psicólogo. Faz meses que tento trocar de horário, mas esse é o ...