Ele já estava
estressado pelo jogo da Eurocopa. Nos últimos tempos, não eram só os jogos dos
campeonatos do Brasil que via, mas maratonava, ensandecidamente, qualquer jogo
transmitido ao vivo em telas tortas do YouTube. Era melhor ver futebol do que
só falar de eleição, pelo menos. Hoje, as telas da TV e do celular estão em
simbiose, antes só um ou outro. Droga! Ambos fazem parte de sua cognição
lapidada para se aproveitar da segurança do lar para fazer qualquer coisa que
achava que quisesse.
“Olha
só! Além de poder abortar, agora tá liberado fumar maconha. Faz o L!”. Dizia
irritado ao olhar o WhatsApp. Não adianta discutir com ele. É teimoso... E estava irritado porque a Holanda perdeu. Ah,
não... ele não tem nada de Holandês, mas certamente perdeu, de novo, dinheiro
para a tal da bet. Curioso, não é?... a outra Beth roubava da África e morreu
santa... Agora outras bets tiram dinheiro de gente desesperada para comer
melhor ou de gente fraca das ideias... Será que tem alguma relação estre estes
nomes? Não sei. Nem quero saber mesmo. Só queria que aqui em casa fosse mais
seguro do que a rua. Talvez faça isso na crença da proteção, mas ele é o
principal agressor... ele e seus amigos que endossam barbáries.
Tive
que passar o resto da noite ouvindo o mesmo discurso que está longe de ser
retrógrado, apenas, mas verdadeira ferramenta de lavagem cerebral, doutrinação
em massa... Fake News é foda! Mata gente, rouba gente, prende gente. Nos dias seguintes, foi aquela ladainha. “Quarenta
gramas de maconha pra todo mundo? A minha pode jogar fora!” Seria engraçado. Eu
jogaria a dele “fora”, e teria mato pra aguentar mais uma semana ou mais,
dependendo, ele mesmo. Enquanto isso, ele torcia para a legalização das apostas
no Brasil. “A bet é boa, mas um cassino me deixaria rico!” Pobre iludido.
Iludido... Irritado. Se irritou tanto que tive que dar vinte gotas de
clonazepam. Praticamente, não fazia efeito, mas era bom pra acalmar.
“Agora,
todo mundo vai ter que abortar e fumar maconha! Nunca fumei, não vai ser hoje
que vou ficar fumando droga!” Verdade. Nunca deu tapa. Nada. Disse. Mas fumava
charuto cubano com os amigos, bebia toda bebida que estivesse à disposição.
Além disso, era remédio pra dormir, remédio pra acordar, remédio pra foder.
Remédio pra não surtar, remédio pra ficar de boa, WhatsApp, caminhadas pela
pátria, igreja... Grupo. Grupos! Calma... Tudo escrito, reescrito, prescrito...
Foi o médico que passou, foi o pastor que disse, foi o grupo, foram os grupos! Talvez
seja remorso porque batia na gente, na minha mãe... Ok, parou faz sete anos,
mas batia. Batia.
Hoje,
é maconha, mas já foram as cotas, a pec das domésticas – nunca tivemos
empregada –, qualquer coisa que o grupo dissesse... Era fácil, sem reflexão,
sem culpa, mas também sem gozo. Era tudo uma balança que nunca era igual. Por
mais que ele defendesse a moral, nada poderia limpar sua consciência. Trair a
minha mãe não era nada. Nada também de maconha, mas um padê para beber mais era
normal na juventude. Lança? Até hoje dá saudade. Cloridrato de Tadalafila é
item da lista de feira. Segundo confidência de mãe, nem deve tomar com ela. E,
como não sai de casa, não deve tomar com ninguém. É ele, o álcool, os
estimulantes e o celular. Sempre o celular!
Já
faz semanas e a maconha não sai da sua cabeça. Me disse pra tomar cuidado... se
fumasse maconha, acabaria virando sapatão. Oi? Não adianta. Eu não queria me
desgastar. Mas ignorar não era fácil, talvez, nem preciso. Era ali. Um rio
correndo entre mim... Quais drogas posso? Quais crimes posso? Muito menos que
homens, muito menos que héteros, muito menos que brancos.
– Toma.
– Opa!
– E aí?
– Muito boa. As suas são sempre boas.
Rodrigo Slama
*Imagem do Google