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Meninos do sinal

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No sinal, meninos tentam Com rodos nas mãos Ou bolas de malabares Eles pedem mais do que dinheiro Atenção A culpa é de quem Por estarem assim? Se querem pão ou crack É quase difícil saber Mas estes meninos Com cicatrizes nas testas E calos nas mãos Tentam E quase nunca conseguem Fumar ou comer.

O cego na praça

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Era um cego na praça. Ele vendia quadros lindos pintados a óleo. Quadros que retratavam paisagens magníficas, cenas de família. Um cachorro que se parecia muito com o animal que deitava ao seu lado, um cão velho, sujo e com uma ferida na orelha com muitos bichos. – Quanto estão os quadros? – perguntei. – Depende, meu filho. O quadro do cachorro sob a sombra da tarde está cinquenta reais. O quadro do senhor sorridente abraçando o seu filho que chora pela perda do dente custa setenta reais. Os preços variam. Você se interessou por algum? – Sim – fiquei curioso pra saber como ele sentia ao descrever uma cena que nunca viu.  –  Gostei do quadro da senhora lendo. – Foi? O que te chamou a atenção neste quadro? – Não sei... achei a senhora simpática. Não entendo muito de pintura – disse. – Olhe bem para o seu sorriso. É um sorriso simétrico, dificilmente alguém sorri assim. Cada lado de um ser humano é diferente do outro... você tem uma orelha maior que a outra, u...

O episódio da lâmpada

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Estava cumprindo a quarentena no hospital onde acordei após meu sono de dez anos. Era tardezinha. Eu acabava de tomar o chá de erva cidreira que me deram acompanhado de um belo pão com manteiga, um pão quentinho como eu não comia fazia tempo – isso sem levar em conta os dez anos – é que mesmo antes de dormir eu já desejava um pãozinho desse mesmo jeito, que me fazia parecer ter voltado à infância... Comer aquele pão me lembrava bons momentos, uma simples mistura milenar de trigo e água que era incrementada pela minha mãe com a quantidade exata do recheio perfeito para um pão quentinho, a manteiga. Decidi passear pelo hospital, conhecer gente nova. Caminhando pelos corredores aleatoriamente olhando para as fotografias nos murais, nos recortes de revista que falavam sobre os pacientes importantes e desimportantes que haviam sido “salvos” naquele centro de ajuda, como ainda eu não tinha visto a não ser por aquelas séries americanas que passavam na televisão antes da Rede Globo co...

Chapeuzinho Vermelho e sua curiosidade sobre os lobos

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– Vá na casa da sua avó, sua preguiçosa, e leve a cesta básica do mês – disse a mãe da Chapeuzinho Vermelho, uma menina de dezesseis anos que desde pequena usava um modelo original de chapéu cobiçado secretamente por todas as meninas da região. – Não tô a fim, mãe! Todo mês eu levo essa cesta, por que você mesma não leva? Eu estou assistindo a nova temporada de Glee e não estou nem aí pra vovó... – Você sabe que aquela velha não fala comigo desde que seu pai morreu naquele acidente de carro. O acidente tinha sido há cinco anos e meio, desde então, a mãe de Chapeuzinho tinha que ajudar a sua ex-sogra porque ela ameaçava pô-la na justiça e retirar a horta que ela cultivava, idealizada pelo pai da Chapéu. Até hoje, as causas do acidente não foram completamente esclarecidas, mas sabe-se que o pai dirigia, e perdeu o controle. O problema é que ele era conhecido pela sua extrema atenção, não desfocava de nada por nada. Algo fez com que ele perdesse os sentidos. O estranho é que...

Um domingo diferente

Era manhã, já tarde. Acordava cedo todos os dias, mas naquele domingo precisava descansar. Danem-se os filhos, dane-se a esposa. A única coisa que precisava era de umas horas a mais de sono. De sonhos. Sonhos que demoram a chegar e acabavam logo, como o salário que não queria conhecer o fim do mês, como os momentos de felicidade com a mulher amada, que, por sinal, já fazia tempo que não via.             Ah, aquela manhã tarde de domingo. Não sabia o que era o aconchego da cama há muito. Mas não tinha mesmo como saber. Acordando quatro e meia e dormindo às duas, quando o ônibus não atrasava mais do que o de costume, não restava mesmo tempo para apreciar as madeiras velhas e mal dispostas que maltratavam as costas de qualquer mortal.             Mortal. Era mortal, mas esquecia. Acordava rápido e não tomava café. No meio do caminho, na baldeação, comprava um café de cinquenta cen...

Novíssimos tempos

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As coisas acontecem a nossa volta e a gente não entende. Na verdade, não há nada para se entender, a não ser como as coisas acontecem... em como as coisas estão organizadas de tal forma que nenhum paradigma pode ser quebrado; nenhuma exceção  pode ser concedida... tudo porque vivemos numa sociedade cristalizada, com conceito do século passado, que não acompanha a velocidade como se dão as coisas. Só quem entende é quem vive do lado de cá, e fico feliz em saber que ainda há companheirismo, que há quem consiga enxergar além dos papéis, além do que antes era apenas um ou outro. Mas essa felicidade, que é muito boa de se ter, não consegue se manter quando o contexto é modificado. Daquele lado, há interesse, cobiça... autopreservação? As pessoas estão a cada dia olhando apenas para si, mas não são todos, são os das gerações passadas, e eles parecem se incomodar com o rumo que as coisas já tomaram, e não, como eles pensam, começam a acontecer. Não queria nada de mais, apenas ser respei...

Uma breve história de Gabriel, Bolsa Favela

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Gabriel saía de casa todos os dias às seis e meia para comprar pão. A mãe trabalhava numa fábrica de calçados da cidade, o pai tinha abandonado a casa e a irmã mais velha só chegava depois das oito da manhã em casa, era camareira de um motel, ou pelo menos dizia ser.                      Depois da aula de matemática, tinha aula de artes, sua aula favorita. Era opcional, por isso Michel, que gostava mais de futebol do que qualquer manifestação artística, não estaria lá para importuná-lo, chamá-lo de Bolsa Favela, já que era bolsista em um tradicional colégio particular, e o único negro da turma.            Todos os professores gostavam do Gabriel, exceto a professora de geografia, que tinha feito especialização no Canadá e trabalha há dezessete anos da escola, seis a menos que o professor de matemática, Liovério, que já deveria ter se aposentado, mas tomava muitos remédios...