
Depois da aula de matemática, tinha aula de artes, sua aula favorita. Era opcional, por isso Michel, que gostava mais de futebol do que qualquer manifestação artística, não estaria lá para importuná-lo, chamá-lo de Bolsa Favela, já que era bolsista em um tradicional colégio particular, e o único negro da turma.
Todos os professores gostavam do Gabriel, exceto a professora de geografia, que tinha feito especialização no Canadá e trabalha há dezessete anos da escola, seis a menos que o professor de matemática, Liovério, que já deveria ter se aposentado, mas tomava muitos remédios e, financeiramente, valia mais a pena passar dois expedientes de sua vida de idoso, mas não caduco, na sala de aula do Nossa Senhora de Fátima, do que vegetar com um salário miserável.
De repente, ao sair da padaria que ia todos os dias, mesmo nos domingos, Gabriel sentiu uma dor, uma dor como nunca sentiu na vida, a última dor de sua vida. Um tiro. Na cabeça. Um tiro. Ele estava correndo, correndo por medo da chuva que se aproximava. Gabriel estava colocando o pão por baixo da camisa, e foi confundido com um bandido. Dor. Muita dor. O sangue escorria na calçada. Um telefonema. No orelhão da rua, uma ligação avisa a mãe de Gabriel sobre o tiro. Um tiro. A dor. A última dor. O desespero. A tristeza. Policiais alegaram legítima defesa. Um tiro. Os policiais foram absolvidos. Calado. Gabriel foi calado. Os pães ficaram lavados em sangue. Um tiro. A dor. A última dor.
A escola que deu a bolsa de estudos cedeu a capela e pagou o caixão. Gabriel foi enterrado na comunidade onde morava. Deixou uma mãe triste, uma irmã quase indiferente, uma professora arrependida e um Michel feliz.