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Churrasco Na Lagoa

Certo dia, no Bosque dos Cajueiros, duas famílias próximas combinaram de fazer um churrasco na Lagoa da Leguminosa Doce. Porém, a Família Buscapé, que não tinha ainda achado petróleo no quintal, disse que não iria, pois não tinha carro, e não ficaria na aba de ninguém, mesmo que num tempo passado a Família Malfoy, a outra desta história, havia largado os filhos na casa dos Buscapé, sem aviso prévio nem hora pra voltar – um problema já que matriarca dos caipiras estava de cama com dengue. – Não, não tem problema! A gente quer a companhia de vocês... Faz o seguinte, de sete a gente passa com o Doblò na sua cabana pr’agente ir pra Lagoa da Leguminosa Doce... Fiquem tranquilos, a gente já comprou duas picanhas, três peças de alcatra, além de queijo coalho, linguiça e asa frango. Não precisam levar nada, viu? A gente tem dinheiro, a gente é “ricos”, a gente pode comprar o que bem a gente quiser. Depois que a família Malfoy saiu da casa dos Buscapé, que ficava perto da praia, e, por iss...

Suco de Caju

Acontece desde o dia que me perdi na mata da Barreira. Eu estava a procura de caju, pois me bateu uma vontade enorme bem aqui, no órgão dos desejos, de tomar um suco bem gelado. E como painho pegava todos os cajus dos cajueiros do quintal pra vender quase nunca eu tomava meu suco favorito, que ficava ainda melhor quando mainha fazia. Ela peneirava o suco, adoçava na medida certa. E eu, que nunca tive muita paciência, me desesperava pra fazer e beber logo. Além de recolher os cajus do quintal, meu pai também andava pela mata da Barreira procurando mais frutas para enriquecer a barraca. Ele sabia todas as trilhas, as que eram visitadas por soldados e as que nunca eram lembradas no itinerário dos aviadores. Aprendi com ele a andar por aqueles matos, conhecia todas aquelas trilhas, guardava na memória todas as bifurcações e encruzilhadas, inclusive lembrava ao meu pai do caminho certo quando ele se confundia, por isso não sei como naquele dia eu me perdi. Provavelmente meu pai e os outro...

Pitombo e a mediunidade

Pitombo, que tinha esse apelido por ser loucamente apaixonado por pitomba e esperava o ano inteiro pra saborear a fruta que amava, sofria com ataques de loucura, como dizia a família, inclusive a mãe, e a vizinhança, que sabia mais da vida de Pitombo do que ele próprio... Aliás, vizinhos têm esse dom, o dom de saber mais dos atos, do coração e da cabeça dos outros, mais mesmo do que qualquer confessor, melhor do que qualquer melhor amigo. Pitombo ouvia vozes, ou pelo menos era isso o que ele dizia. Quando não aguentava mais, o coitado se debatia no chão, gritava, esperneava segurando a cabeça com força com as duas mãos empurrando na altura dos ouvidos, como se isso impedisse que as vozes de sua loucura gritando desejos impraticáveis ressoassem como sinos de bronze. Certo dia, um pastor passava pela porta e ouviu os gritos de Pitombo. Ele pediu pra entrar e fazer uma oração, disse que seu deus poderia ajudar aquela alma, que aquilo não era loucura, eram espíritos, ou melhor, obras de...

Pelas ruas que passo

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Será que cada pessoa que vemos na rua pensa sobre nós o mesmo que pensamos sobre ela? Será que você pensa o mesmo que eu? Sim, porque eu caminho na rua me perguntando se todos têm um sonho, se todos estão só de passagem. Aquela senhora que quase esbarrou em mim dentro do shopping estava mesmo apressada ou fez aquilo só pra me atormentar? Será que ela sabe quem eu sou, quem quero ser, o que escrevo, que eu escrevo? E ela? Será que ela também alimenta, mal alimentado, um blog não visitado por mais de três ou quatro pessoas como eu? Eu ando pela pelas ruas, pelas calçadas quando elas existem, tentando entender a mim mesmo quem sabe observando como os outros agem, como os outros me veem. Talvez ninguém seja tão cruel e mesquinho quanto parece, talvez aquela menina que me olhou com cara de vômito não saiba que eu não queria nada com ela, mesmo que eu fosse solteiro, mesmo que ela fosse atraente. E o senhor, possível ex-atleta ou dono de academia, será que sabe que eu só esta...

Pedrinho e a amiga Felina

As cortinas que tapavam as janelas cobriam a luz do sol impedindo-a de entrar no meu úmido quarto. Eu morava na casa da minha avó, morava não... sei lá? Eu passava as férias na casa da minha avó, que tinha ficado viúva há três meses apenas. Minha mãe disse pra eu fazer companhia a ela, pois vovó se sentia muito sozinha. Todo os dias, eu tinha que acordar às seis e meia, era muito difícil, pois além de eu não estar acostumado, as cortinas que tapavam as janelas cobriam a luz do sol. Parece tolice, você está se perguntando: – “por que esse moleque narrador não abria a cortinha que tapava a janela que cobria a luz do sol?” É muito simples. EU NÃO DORMIA SOZINHO! Eu tinha que dividir o quarto, e, por pouco, a cama, com minha avó. Não teria problema já que avó é nossa segunda mãe, mas a minha tinha problemas com gases... É... ela peidava muito a noite toda. Tadinha da véia! Era até legal ficar na fazenda de vovó, fazenda não, tô sendo muito generoso, sítio... chácara... É alguma coisa ent...

A Menina Que Gostava de Futebol

Era década de 1960, não ficava bem para uma menina brincar de bola, mas Cláudia gostava de futebol, e muito. Cláudia, que tinha cinco anos na época destes acontecimentos, usava um corte de cabelo curto, estilo Joãozinho, pois sua mãe, além de não ter condições de tratar dos seus cabelos, achava que ter os cabelos curtos ajudava a espantar o calor. Aproveitando-se da situação em que se encontravam os seus cabelos, Cláudia dizia aos meninos da Rua de Trás que seu nome era Cláudio, assim ninguém implicaria com o fato dela ser menina, e a deixaria entrar no time sem problemas. Cláudia, ou melhor, Cláudio jogava muito bem, inclusive melhor do que Caetano, que até então era considerado o maior jogador de futebol do bairro. Cláudia não tinha medo de bolada, carrinho ou esbarrão, ela jogava feito um menino, era astuta, habilidosa e marrenta, quando necessário. Além de futebol, Cláudia gostava de bola-de-gude, carrinho de rolimã... Seus irmãos a chamavam de Moleque Macho, o que fazia com q...

O Criador de Bicho-de-pé

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Sérgio, desde pequeno, gostava de percorrer o mato à procura de caju, manga, umbu-cajá, cajá-manga... mas ele sempre sofria com bicho-de-pé. Sua mãe dizia a todo o momento para ele calçar um sapato ou um tênis, e ele nunca ouvia o que sua doce mãe dizia. Toda noite, quando Sérgio voltava dos matos, Dona Abigail cutucava os seus pés para tirar os incômodos bichos, mas, conforme Sérgio crescia, Dona Abigail foi deixando que ele se cuidasse sozinho, tinha outras obrigações mais importantes do que tirar bicho-de-pé de um pré-adolescente. Aos treze anos de idade, Sérgio não mais estudava, não ia mais à escola; ele se mantinha, ou melhor, comprava suas baganas com os trocados que ganhava vendendo as frutas que apanhava nos matos. Certo dia, um senhor chamado Joaquim lhe pediu que tirasse um bichinho do seu pé e pusesse no dele – o ancião dizia gostar da coceirinha que o bicho-de-pé causa – o menino Sérgio, muito esperto e matreiro, disse que vendia por cinqüenta centavos e o ve...