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sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Pedrinho e a amiga Felina

As cortinas que tapavam as janelas cobriam a luz do sol impedindo-a de entrar no meu úmido quarto. Eu morava na casa da minha avó, morava não... sei lá? Eu passava as férias na casa da minha avó, que tinha ficado viúva há três meses apenas. Minha mãe disse pra eu fazer companhia a ela, pois vovó se sentia muito sozinha.
Todo os dias, eu tinha que acordar às seis e meia, era muito difícil, pois além de eu não estar acostumado, as cortinas que tapavam as janelas cobriam a luz do sol. Parece tolice, você está se perguntando: – “por que esse moleque narrador não abria a cortinha que tapava a janela que cobria a luz do sol?” É muito simples. EU NÃO DORMIA SOZINHO! Eu tinha que dividir o quarto, e, por pouco, a cama, com minha avó. Não teria problema já que avó é nossa segunda mãe, mas a minha tinha problemas com gases... É... ela peidava muito a noite toda. Tadinha da véia!
Era até legal ficar na fazenda de vovó, fazenda não, tô sendo muito generoso, sítio... chácara... É alguma coisa entre sítio e chácara, ou chácara e sítio... entende? Eu brincava com as galinhas, marrecos... eu só não gostava muito de brincar com os gansos, eles eram bem agressivos, mais brabos que os cachorrões que minha avó criava dizendo ser pra proteger seus outros animais do chupa-cabras. Eu nem sabia o era chupa-cabras, não era do meu tempo, só depois procurei na internet, achei tolice da minha avó... onde já se viu? A véia com medo de chupa-cabras!?
Lembro que brincava sozinho, não tinha ninguém lá da minha idade, a ao ser por Felina, a filha do caseiro que era paraplégica. Ela vivia na cadeira de rodas, não dava pra passear pela grama, pois o veículo engasgava sempre numas poças. Na verdade, eu só fui saber da existência de Felina pouco menos de uma semana pras minhas férias acabarem. O pouco que conversei com Felina me fez crescer de alguma maneira. Poxa! Eu fiquei um mês quase inteiro na casa de vovó e não brinquei com Felina, mas não foi minha escolha, não foi. Só a descobri cerca de três dias antes de eu ir embora. Mas, no pouco que conversamos, nos tornamos amigos.
Minha avó mandou o computador pra casa do caseiro, ela não sabia mesmo mexer “na invenção dos homens loucos que não tinham mais o que inventar”. Felina e eu conversávamos a tarde quase que inteira, mas não era muito papo como parece. Ela não estava acostumada a digitar, mas eu tinha paciência.
Começava a estudar cidadania na escola, a professora Aline disse pra gente fazer a caridade de conversar com um aleijado às vezes, eles não eram pessoas normais, por isso a gente tinha o dever de agradá-los, assim, quem sabe, Deus também se agradaria de nós. Eu não gostava da aula de cidadania, a professora fazia os deficientes físicos parecerem gente de outro mundo, talvez do mesmo lugar de onde vem chupa-cabras.
Eu não tinha intenção de agradar nenhum deus quando falava com Felina, apenas de me agradar... se eu não me sentisse bem nas nossas conversas, eu jamais conversaria com ela. Ah! Eu não teria pena de dizer que ela é sem assunto só porque não pode andar...

Anos depois


Felina completava dezessete anos de idade, eu já tinha feito quinze no mês anterior. Comprei um novo computador para Felina, sua família não tinha condições, o computador que minha avó tinha dado a minha amiga ainda era com o Windows 98. Comprei um notebook pra Felina, ela adorou, começou a chorar me deixando também emocionado e constrangido.
Eu não via muito Felina pessoalmente, a gente só se falava pelo computador, agora, como o novo notebook que dei pra ela – novinho em folha, comprei com meu próprio dinheiro, era superior ao meu, minha mãe inclusive mandou eu dar o meu “velho” e ficar com o novo, mas ao olhar minha cara de carranca ela logo desistiu da idéia, onde já se viu – a gente poderia então se ver pela webcam.
O engraçado foi Paola, minha namorada, ao entrar em meu quarto de mansinho me viu conversando com Felina, deu o maior piti, começou a querer saber quem era a menina que eu conversava e coisa e tal... expliquei que ela era só uma amiga, não disse que ela era paraplégica, não tinha pra quê. O resultado foi que Paola, ainda semi-nua, me pediu para escolher entre continuar a namorar com ela ou manter conversinhas com amiguinhas estranhas no computador. É claro que escolhi Felina. Paola focou irada, pense numa menina puta da vida!

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