As igrejas abriram, mesmo com a pandemia. E o
pastor não demorou para convocar os irmãos. Mandou avisar que seria expulso
quem não fosse ao primeiro culto depois do decreto.
– Irmãos, graças a Deus, a
governadora satanista derrubou o decreto que impedia a obra do senhor de continuar,
amém?
– Amém! – respondeu a igreja em couro.
– Irmãos, podem retirar a
máscara. Tenho aqui comigo um remédio abençoado para acabar com esse vírus chinês,
amém?
Todos os seis fiéis que ainda se protegiam retiraram
a máscara, menos o irmão desconfiado.
– Irmão, sempre você querendo
questionar os mistérios de Deus. Venha aqui na frente, irmão. Venha aqui! –
assim que o irmão chegou, o pastor colocou a mão em sua cabeça. – Me diga,
abençoado, por que você ainda está com essa máscara?
– Porque o vírus ainda está
circulando, pastor. Acho melhor mantê-la.
– Em o nome de Jesus, pode me
entregar a máscara, amém.
– Pastor, o senhor me perdoe,
mas eu acho melhor ficar com ela.
– Irmão, você está desafiando a
ordem de Deus? Entregue a máscara e deixe de ouvir a voz do pai das trevas.
– Mas pastor, o senhor mesmo
vendeu esta máscara abençoada pra gente dizendo que ela ia nos proteger.
– Então, protegeu. Você não
pegou o vírus. Igreja, vamos glorificar o nome do Senhor Jesus, Amém?
– Amém! Aleluia! Glória a Deus!
– Ah, irmão. Olha como a igreja
toda acredita no poder de Deus e você não... Além disso, aqui na igreja temos Cloroquina,
santo remédio. Eu peço apenas uma contribuição de cem reais para ajudar com as
despesas da obra de Deus. Amém?
– Amém!
– Mas pastor...
– Irmão, você novamente. Vai me
dizer que além de não acreditar em Deus você não acredita na ciência dos homens
de Deus também?
– Tá amarrado! – disseram duas
ou três fiéis.
– Não é bem isso, pastor. Cloroquina é um medicamente
para malária, que é causada por um parasita. Covid-19, como todo sabem, é
causado pelo Corona vírus. Então, eu...
– Ah, irmão, você deve estar
sofrendo a influência do 5G dos comunistas. Todo mundo, até o presidente, está
tomando. Todo mundo pode tomar pra não pegar a doença.
– Mas, pastor, não há
comprovação científica nenhuma de que o medicamento funcione, inclusive há casos
de mortes relacionados ao mal uso da substância.
Enquanto alguns fiéis cochichavam,
o pastor tirou a máscara do irmão e colocou as duas mãos em sua cabeça. Falando
tanto quanto cuspia, pediu que os irmãos fizessem um círculo em volta do irmão.
Todos colocaram as mãos em sua cabeça ou nos ombros de quem estava a sua frente.
Oraram terrivelmente para que o diabo saísse do corpo do jovem rapaz.
– Abra a boca irmão, em nome de
Jesus.
Assustado com tudo aquilo, o
irmão abriu a boca. O pastor pegou dois comprimidos do medicamento e socou na
goela do rapaz.
– Engula, vamos!... Isso. Amém,
igreja! Nosso irmão agora está curado. Cada um de vocês tem que tomar dois comprimidos
por dia. Recebam, após a oferta, uma caixa do remédio com a Pastora Graça,
minha esposa. Levem duas. Parcelamos no cartão pra quem precisar.
Assustado o rapaz procurou sua
máscara pra ir embora.
– Você não precisa mais de
máscara, irmão. Vá e ande em nome de Jesus, Amém?
– Amém. Vou embora então.
– Já deixou sua oferta com a pastora
Graça?
– Não, pastor. Não vou levar o
medicamento.
– Vai sim, já até tomou a dose
de hoje. Acerte com ela, amém? Que Deus te abençoe.
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