Ilustração André Silva |
Morava
na Rua 417 um palhaço muito engraçado que costumava fazer apresentações na
porta de sua casa quando não estava em algum circo ou fazendo campanha para um
supermercado ou loja de brinquedos chineses. Ele era muito querido por todos...
uma das figuras mais cativantes e amistosas do bairro.
Meninos
e meninas sempre saíam da escolinha e passavam direto na Rua 417 para apertar a
mão de Palhaço e assistir aos seus números de mágica e toda a sua palhaçada. Era
sempre uma festa. Ninguém sabia quem ficava mais feliz com as visitas das
crianças, que foram crescendo e, aos poucos, se esquecendo do palhaço que, já
sem circo e sem muito ter onde se apresentar, ficava cada vez mais solitário.
O
que antes era alegria, motivo de acordar sorrindo e pensando num novo truque,
numa nova piada, agora era motivador de raiva. Não podia mais ver uma criança,
não podia mais ver alguém se divertindo que lhe batia uma ira incontrolável,
mas ele não era um mal sujeito, ele queria trazer a verdadeira alegria àquele
bairro novamente.
–
As pessoas hoje andam muito felizes... Antigamente, quando a situação
financeira era pior, todos precisavam de mim... agora, qualquer criança pobre
tem celulares modernos, videogames de última geração... Eles não são felizes de
verdade...
Palhaço
começou a matutar um plano para acabar com a alegria das pessoas. Mas de que
adiantaria extinguir com a felicidade alheia se ele continuaria amargurado,
triste, solitário? Não era justo acabar com a felicidade alheia se isso não lhe
daria nada em troca – Já sei! Preciso de piadas novas, de truques novos, de
bordões modernos!
O morador da
casa mais colorida da Rua 417 começou a se atualizar... passou semanas lendo,
assistindo aos vídeos de humor da moda, treinando novos truques de mágica. Ele
sentia que estava pronto para voltar à ativa – mesmo que nunca tivesse saído.
Estava pronto para fazer as pessoas rirem dele novamente... E ser o motivo da
alegria dos outros era o que lhe proporcionava a felicidade.
Tudo pronto,
vizinhos convidados, balas, doces, pirulitos coloridos. Naquele fim de tarde de
sábado, Palhaço iria voltar com novidades e alegrar todo mundo novamente. Um
carro de som passou pela manhã, mas, apesar disso, ninguém apareceu. Ninguém
parecia precisar de um pouco de alegria. As crianças não se interessaram, os
pais tinham equipamentos eletrônicos de ponta e uma assinatura de TV
riquíssima. Por que iriam para um showzinho de Palhaço, o palhaço do fundo de
quintal?
Palhaço montou um plano.
Ele mataria alguém do bairro. Dona Edilene era a mulher mais velha da
vizinhança. Uma verdadeira matriarca que gerou muitos dos que fundaram a
escola, a igreja e o posto de saúde. À noite, na calada, ele foi até a sua
casa. A matou com um martelo colorido. Ela nem pode reagir no auge dos seus 99
anos. Tudo já estava programado para a festa do seu centésimo aniversário no
mês seguinte. No entanto, a tristeza que tomou conta de todos foi muito
passageira. Ninguém procuraria os serviços do palhaço do bairro por conta da
morte de uma velha que já tinha passado da hora.
Desta vez, ele faria o
que achava mais certo. Matar uma velha já a beira da morte não tinha sido um
bom plano. É certo que todos da região a amavam, mas daí a perder a capacidade
de se alegrar por conta de uma senhora de quase cem anos é querer um pouco
demais... se fossem crianças, se fosse uma tragédia... se fosse algo que
acontecesse na igreja, no catecismo. Sim... agora, Palhaço tinha um plano.
Foi, de fato, uma
tragédia. Três crianças na primeira infância foram encontradas vítimas de morte
violenta na creche do bairro. Saiu no RN TV, saiu no Jornal Nacional, saiu no
Fantástico como nota. Comoção geral dos moradores do bairro em que ficava a Rua
417. Um conforto: Palhaço, o palhaço tinha anunciado há poucos dias um novo
show com novas piadas, novos truques e bordões modernos. Passado o luto
inicial, o mais dolorido, todos foram à Rua 417 comer balas, picolés e
pirulitos que deixavam a língua azul. Toda vez que algo macabro acontecia,
Palhaço tinha seus momentos de felicidade. Ele alegrava um pouco a vida de quem
tivera sido marcado por alguma tragédia.