Estava
cumprindo a quarentena no hospital onde acordei após meu sono de dez anos. Era
tardezinha. Eu acabava de tomar o chá de erva cidreira que me deram acompanhado
de um belo pão com manteiga, um pão quentinho como eu não comia fazia tempo –
isso sem levar em conta os dez anos – é que mesmo antes de dormir eu já
desejava um pãozinho desse mesmo jeito, que me fazia parecer ter voltado à
infância... Comer aquele pão me lembrava bons momentos, uma simples mistura
milenar de trigo e água que era incrementada pela minha mãe com a quantidade
exata do recheio perfeito para um pão quentinho, a manteiga.
Decidi passear
pelo hospital, conhecer gente nova. Caminhando pelos corredores aleatoriamente
olhando para as fotografias nos murais, nos recortes de revista que falavam
sobre os pacientes importantes e desimportantes que haviam sido “salvos”
naquele centro de ajuda, como ainda eu não tinha visto a não ser por aquelas
séries americanas que passavam na televisão antes da Rede Globo começar a fazer
minisséries tão boas como as produzidas nos Estados Unidos.
Sentado,
calado e olhando para o teto; foi assim que estava ele, Antônio de Macedo e
Maria, pelo menos foi o que a enfermeira me disse quando a indaguei sobre
aquele sujeito que me fez dar tantas gargalhadas que quase não consegui escrever
este capítulo só por lembrar aquela cena de alguns muitos anos atrás.
Disse olá e me
apresentei da forma mais simpática possível. – E você, como se chama? –
perguntei com toda delicadeza e respeito, pois não sabia como iria reagir
aquele sujeito meio... pensativo, talvez. Porém ele nada me respondeu, apenas
me olhou, não nos olhos, e pôs-se a voltar a admirar o teto, que era tão comum
como o teto da sua casa, a não ser que você more numa casa sem forro, num
palacete ou debaixo duma ponte de concreto, com todo respeito.
– Hei, senhor!
– chamei pela segunda vez, desta cutucando-o no ombro. Ele, além de não
responder, não me olhou, nem se moveu como no primeiro contato.
– Amigo, vamos
conversar! O gato comeu sua língua? Vamos cara... vamos bater um papo, eu lhe
pago um cafezinho... – ele nem deu atenção.
Percebi que
poderia estar falando com uma pessoa simplesmente grossa, que não gostasse
mesmo de conversar. Aquele cara poderia estar me esnobando, logo eu que fui tão
amistoso, que já tinha feito amigos em todo o andar e metade do andar de cima
ser ignorado por alguém que nem olhar nos meus olhos olhava...
– Vamos comer a lâmpada? – perguntei tentando
descontrair, deixá-lo mais a vontade.
– O quê? – ele
perguntou com os olhos arregalados, olhos de quem está sendo perseguido por
policiais militares armados e despreparados.
– Vamos, me
ajude a puxar este banco... Nós vamos comer esta lâmpada e vai ser agora – me
levantava como se realmente quisesse a lâmpada.
Eu já tinha percebido que ele era um doido e
quis me divertir. Mas ele se agarrou ao banco e disse:
– Não! Não! Não!... Não quero comer a lâmpada!
Ela deve ter gosto de cebola. Não me dê por favor, por favor, por favor, por
favor, por favor...
Nessa hora o
doido começou a chorar enquanto eu já ficava sem ar de tanto rir. Os outros
pacientes, entre eles deveria estar o segurança da rodoviária, caíram na
gargalhada assim como eu. Aquela imagem era mesmo engraçada. Um doido, que
deveria ter uns setenta anos, chorando como um bebê chamando a mãe para que ela
não o deixasse comer aquela lâmpada, que ora devia ter gosto de cebola, ora devia ter gosto de vaga-lume, causando-o, assim, azia, que ele chamava de
vulcãozinho no bucho.
Eu tinha que
ter pedido uma cópia da fita à segurança do hospital, só para ver o povo todo
caindo no chão, inclusive alguns enfermeiros, quando ouviam: – “Eu não quero
ter um vulcãozinho no bucho, mãe! Eu não quero...” – e mais – “isso deve ter
gosto de cebola crua, e eu não como cebola crua, porque cebola crua é ruim, é
por isso que eu não como cebola crua, se eu achasse bom cebola crua eu comia
cebola crua, mas como eu não gosto de cebola crua, eu não como cebola crua,
porque cebola crua é ruim...” – O pobre dizia e chorava, aos soluços, ao mesmo
tempo. Mas aí chegou uma psicóloga metida a dona da verdade, e do doido,
acabando com a brincadeira.
Daí em diante, eu não precisava sair à procura de gente para conversar, as pessoas é quem me
puxavam assunto partindo, é claro, da história da lâmpada com o doido Antônio
de Macedo e Maria.
Trecho de Após o sono de dez anos
romance - Rodrigo Slama