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Companheiro Ema e o Barba

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  Deu tudo certo, a festa foi linda e nenhum incidente que oferecesse algo além de mais vergonha aos famigerados e fundamentalistas lunáticos aconteceu. Dia 01 de janeiro de 2023. No relógio, já era dia 02, mas o dia só muda quando a gente dorme. E o Presidente – sim, sempre, ele, com P maiúsculo – não poderia dormir sem cumprir mais um ritual, improtocolado. – Olá, meu velho amigo. – Opa! Quanto tempo... Estava te esperando. – Eu sei, Companheiro Ema, mas o dia hoje foi corrido. Vim pra cá assim que deu, sabe? – Não tô falando de hoje, Barba. Você sabe o que eu e as outras Emas passamos? – Mas, companheiro. Não dependia de mim! – Tem menino novo aqui que acha que é mentira que aqui já teve morador legal. Eu conto as histórias e o pessoal nem lembra. Dos antigos, só fiquei eu. – Sinto muito. Eu fiquei sabendo. – Mas não veio aqui fazer uma visita. – Eu não podia. Eu também fiquei preso por conta de todo esse golpe contra o país. – Barba, a JurEma, minha esposa...

Futtobōru

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Fazia tempo que os deuses japoneses não trabalhavam tanto. Quando a tecnologia, a civilidade e a educação dedicam-se ao avanço social, ópio deixa de ser eficaz. Mas em tempos de Copa do Mundo até o mais ateu acredita. Quando o assunto é futebol, não existe lógica, ideologia ou compaixão à dor alheia, restam o amor, o bairrismo e a fé. A fé boa, neste caso, uma fé que quer a dor do outro apenas por levar alguns gols. É uma guerra sem mortos - sem contar os da construção dos campos -, sem sangue, sem espada ou tiro. Uma luta com o único objetivo de sorrir, apesar de tudo. - Pobre menino suíço, em pelo menos algo o Brasil tinha que ser melhor! Olha que Deus não seria brasileiro nem se pudesse escolher, ou melhor, sobretudo se pudesse escolher.  As divindades que tocavam o Brasil - e são muitas! - estão há muito ocupadas com a miséria e o ódio para terem tempo de ver futebol. Daí quem trabalha na Copa, claro, são os deuses de quem tem barriga cheia e teto para morar. Certamente, os out...

Do pó à luz

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  Eles conseguiram dar o golpe. Houve resistência, guerra civil. Lula morreu, Chuchu derreteu. Acabou. Havia 215 milhões aqui, não sobrou mais nada. Uma terra arrasada. O continente dizimado. Sobrou pouca coisa. Era melhor continuar num estado de exceção ou ter morrido todo mundo? Vai saber... Agora tudo é pó. Não existe mais nada, não há mais nada. Anos passaram. O sol começou a aparecer. Alguns humanos começaram a retornar à superfície. Todo mundo apavorado. Todo mundo sem criticidade. Sobreviveu só a massa. Os intelectuais, líderes, políticos... todos morreram. Pareceria que o país fora fadado à extinção, não fossem os homens magros saídos das cavernas. Aos poucos, todos se agruparam. Não tinha sobrado mesmo muito lugar pra viver. O que outrora o Sudeste, era apenas o centro... o que restou. Uma ilha sem vizinhos, sem floresta, sem qualquer coisa que lembre um país ou mesmo uma comunidade. Era apenas uma terra destruía, cercada de mato e nenhum fruto. Tudo um deserto de erva...

A Cartomante e o Cético

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  Casa de Tranca-Rua. Cartomante. Mãe Clara de Oyá. Tinha sempre consulta. Tinha vezes em que nem desvirava para almoçar, diziam. Duvido. Duvido de tudo e fui ver, disse. Passei uns dias indo. A leitura das cartas não me pegaria como pegou Camilo. Não! Eu não me deixaria me envolver pelas palavras, promessas, amores e fama de lá. Mas voltei. Voltei em outros horários e forcei uma amizade. Nossa, fazia tempo que eu não conhecia gente nova, ela agradecia por ter alguém pra falar de macho, passear... essas coisas. – Bicha, faz tanto tempo que não saio numa sexta ou num sábado. – Bora, mulher. Bora tirar um dia de folga. – Tenho compromisso com Dona Maria Padilha. – Você tem é boleto, né, mulher? – Como é? – Nada não – disse se fazendo de besta. O tempo passou, não disse o quanto. A gente foi ficando amigo. Ela um tempão chamando que queria ir pro samba no Beco da Lama. Mas já disse que não posso, que tenho psicólogo. Faz meses que tento trocar de horário, mas esse é o ...

Pastor 8 - Patriota de ocasião

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  – Irmãos, vamos orar pelo novo presidente. Deus escreve certo por linhas tortas. Tudo o que acontece é por vontade divina, amém? – Amém! – disse a igreja em coro. – Pastor? – Sim, irmão. Diga a sua dúvida porque hoje Deus está falando comigo mais do que o normal, amém, igreja? – Amém! – Pastor, o senhor me desculpe, mas a gente fez setenta e sete dias de jejum pra reeleger o mito e agora a gente vai rezar pro nove dedos? – Sim, irmão! – disse firmemente o pastor para espanto dos cochichos que ratificavam a razão do irmão. – Por quê? – Olha só, irmão. Você está duvidando da vontade de Deus? – Claro que não, pastor. Mas a gente agora vai ter que orar pra bandido? Cochichos e mais cochichos se espalharam pelo salão. A igreja estava quase cheia, exceto por alguns membros que foram pedir ajuda dos militares nas ruas da cidade. O pastor não concordava com isso... A igreja tem fazenda, vende muita coisa... tem lavanderia também... muito investimento. Tudo para ajudar...

Entre loucos e cachorros: esperança

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  Era uma terra de loucos. Loucos de pedra, que atiravam na lei com granadas. Era uma terra de loucos. Ponto. E mais um ponto.   – Mano, como eu tô ansioso pra domingo! – O que tem domingo, viado? – perguntou Miguel. – Eleição no Brasil. Segundo turno. – Eleição onde, cara? – No Brasil, pô. Lá na Terra! – Quem liga pra Terra atualmente? – Ué? Tem canto mais legal pra gente se preocupar? – A Terra é um absurdo, Yesalel. Há pelo menos mil anos ninguém daqui nem sabe notícias de lá. – Mas, Miguel, tá um pandemônio lá no Brasil, na Terra. – Diabo de pandemônio? Demônio já era. Nem ele mesmo quer saber dele. Já virou lenda demais. – Eu sei que o senhor e o resto do pessoal já saturou. Mas o universo anda perfeitamente calmo. A única emoção genuína vem da Terra. – Cara, a Terra já era há muito tempo! Nem sabia que ainda existia... A gente deixou pra traz faz uma era! Os caras lá escolheram um bandido, macho. Pai num quer mais saber de lá, não. Entre todos ...

Laranja, verde, branco, números

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    Era uma novidade de mais de vinte anos. Uma esperança frágil, desconfiável de quase metade dos descidadãos. Poucos permaneciam marginalizados frente à escolha, quase pseudo, mas existente. Vinha de avião, canoa, escoltada. Ela vinha! Chegava em todo lugar, chegava onde não havia saúde, onde não havia lazer, onde não havia comida e onde, sobretudo, não há educação! O tempo todo na TV até hoje. É fácil! Laranja, verde, branco, números, foto e letras. Uma antiga caixa conhecida e vítima de terraplanismo, mentira fundamentalista para manter o poder em marionetes, um poder pouquissimamente perfurado por uma base de boa vontade, mas de pouca instrução, pouca desconfiança e pouca credibilidade. Uma base vítima da desinformação, do desestudo dos milhões rejeitados e de quem projeta a permanência da miséria em todo futuro alheio. Resistência! Símbolo de inclusão, modernidade, democracia. Para quem? Não para todos, claro, mas o melhor do que existe, melhor fruto do que o lim...