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Clandestino neon

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  – Cara, isso não vai dar certo. – Mas eu quero, tô pagando! – Nem tudo é questão de dinheiro. Você tem certeza do que quer fazer? – Lógico! Tá me chamando de menino? – Então, não costumo, mas você vai ter que assinar um termo de consentimento. – Eu assino, porra! Só faz o que eu tô te pagando pra você fazer.   Sessão de um sábado inteiro. Fechamento de costas. Um trabalho filha da puta. Termo assinado, pix feito. O otário nem questionou o valor. Foda-se, babaca é pra se foder mesmo.   – Ô seu arrombado, o que você fez nas minhas costas? – Oxente! A tatuagem de Bolsonaro que você pediu. – Deixe de putaria, você sabe muito bem o que você fez. – Sei, e daí? – E daí que eu tô parecendo um palhaço agora. É só eu tá num canto escuro que todo mundo ri de mim, seu galado! – E? – E daí que eu vou te processar, seu merda! – Mas você assinou um termo, tem até foto sua sorrindo depois da tatuagem... agradecimento no Instagram... – Sim, mas não tava...

Não fazem sentido

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  – Um, dois, três, quadro... – Quatro, três, dois, um! – O Capitão já anda brocha... –  E o Tenente aliviado! – Um, dois, três, quadro... – Quatro, três, dois, um! – O General só quer picanha. – O Major quer Leite Moça. – Um, dois, três, quadro... – Quatro, três, dois, um!   – O que tá acontecendo ali, Tenente? Que cantoria subversiva é essa? – Capitão, os Soldados estão nervosos, senhor! – Cadê a sua autoridade, Tenente? – Já ameacei, senhor. Mas eles não me obedecem.   Tenente e Capitão foram até a tropa, que seguia rindo depois da corrida e se negava a arrancar os tocos do quartel.   – Atenção, pelotão. Sentido! – Os soldados, os cabos e o Sargento olharam para o Tenente e começaram a rir. – O que está acontecendo com vocês? Desde quando se negam a respeitar seu Tenente? – bradou o Capitão muito revoltado, mas sem saber como reagir àquela inédita rebelião. – Ô Capitão, ninguém aqui tá mais a fim de obedecer não. A ge...

Só duzentos reais

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  – Duzentos reais, vai querer? – Porra, tá caro. – Produto aqui é de primeira, tem procedência. Pode confiar. – Não, tá caro. Faz por cem? – Tá maluco? Tá achando caro vai reclamar no Procon! – Cento e cinquenta, po... – Mano, você é surdo ou analfabeto? É duzentos reais, se não quiser, vaza! – Vou querer, mas tá caro. – Cê tá me tirando?... Agora fodeu... cadê a grana? – Tá aqui, pega!   O comprador atravessou a avenida e dobrou poucas ruas. Entrou num restaurante badalado do Jardins. Lá dentro, seus amigos o esperavam. – Ué, como você entrou? – Eu falei que dava um jeito. – Tô vendo... – Esse jeito foi caro? – Nada... só duzentos reais. – Pô, cara, vacina é de graça... se vacina logo. – Podem me pagar, que eu não tomo vacina!   Todos riram e brindaram à coragem e a inteligência de Ricardo. – Senhor – disse o garçom –, tem um problema com o seu passaporte vacinal. – Que problema? – Ele é falsificado. O senhor se vacinou? ...

Jesus Pistola - a (re)volta de Cristo

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  Mais um ano eterno se passando e Jesus tava pistola no céu. Puto, puto. Cansava de gritar reclamando da burrice humana. Burrice de quem demorou pra escrever suas palavras, burrice de quem interpreta suas palavras e a burrice ambiciosa de quem ensina suas palavras. Era culto de Natal, seu aniversário, claro, num país de maioria cristã. Um estádio cheio em plena pandemia. Miguel, Gabriel, todo mundo lá que podia chegar perto dele não conseguiu impedir a fúria de um homem que foi conhecido por amar até seus assassinos. A situação tava demais pro Jesus, que já não era menino, suportar. – Bora parar a palhaçada aí que eu tô puto! – disse Jesus, sem nem esperar a nuvem estacionar direito. – Quem é você? – indagou nervoso o pastor vendo cada vez mais anjo se aproximando. – Quem sou eu? Não é você mesmo quem passou a vida dizendo que era meu escolhido? – nada podia deixar Jesus mais estressado do que essa pergunta a essa hora. – Jesus? Meu senhor! Veio nos arrebatar? – Meu ...

Estrato lúcido

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  Não dissimula a pele quando afagada em êxtase. Feromônios, sabonete de aveia, vai saber? Nos pulmões, o cheiro fazia casa. Inundava, zeloso, a vontade de ficar para sempre grudado, como almas amaldiçoadas ao inferno. Fazer o que quando quereres, apesar dos aromas, são limitados?                   De tanto que gostava de sua pele, elogiava. Ela, tentada, se convencia da finitude, mas mostrava impavidez. Teve ideia. Engordaria, sem trabalho. Cheesecake e coquinha, aumentava sua doce superfície matando dois vícios: a gula e a responsabilidade. Engrandeceu seu exterior acima do coração.                 Anestesia. Corte. Cirurgia. Sem túnel de luz, tudo foi mal e terminou bem. Lipo. Limpa. Saía esculturalmente moldada. Esculpida por Apolo em carrara. Do que sobrou, no entanto, não deixou que destruíssem. Artesã melhor que ela nã...

Levante dos deuses famosos

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  No panteão dos que existem só na Terra, os deuses trabalhavam cada um com as suas demandas. Quase todo dia era sempre igual. Pedidos, agradecimentos, oferta de alimento, tempo, dinheiro... Hoje, não é mais como quase todo dia. – Esse pessoal não dá um dia de folga! – disse Buda. – Buda, deixe de pantin. Tá berrando de bucho cheio! – reclamou Jesus, um dos que tinham o maior serviço. – Relaxa, pessoal. Uma hora o sossego vem. – tranquilizou Hermes. – Vamos manter o foco na permanência, galera! – recomendou Oxalá. O fato é que Jesus e Alá trabalhavam vinte e quatro por dia enquanto tinha deus à toa. Era pedido o tempo todo. Ibisu trabalhava pouquíssimo e ainda tinha metade do dia pra descansar sem precisar ouvir ninguém. Tava um clima de injustiça e desunião. Tinha deus querendo sair da galáxia pra ter um pouco mais de paz, mesmo sem saber se existia outro planeta com rezantes. Jesus já estava de saco cheio. Dentro da sua própria galera no mundo tinha desentendimento. E...

O homem do intestino invertido

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  – Uma vez eu conheci um homem que tinha o intestino invertido. – É o quê, criatura? – Sim. Ele tinha o intestino invertido. Era tudo ao contrário ali. – Como foi isso? – Tinha sido atacado por uma ema. Eu nem sabia que emas podiam atacar alguém... mas são como galinhas gigantes, né? Às vezes, galinhas atacam mesmo. Daí, levaram o cara para o primeiro hospital que viram, né? Foda que o médico que tinha lá não entendia de ataque de emas... e dizem, a galera toda de lá, sabe?, que ele era viciado em remédio de malária. Passou um tempo, há muito tempo, lá no Norte... na falta de tóxico começou a tomar aquilo. Era o que tinha, né?   – Homi, deixe de enrolagem e conta logo essa história! – Sim... aí o médico lá, chega tinha a boca torta de tanto remédio de malária, viu o sujeito de bucho aberto. Tava uma coisa feia, tudo sujo, tudo cagado, tudo cheio de baba de ema... – E danado galinha baba, caboco? – Rapaz, foi minha prima enfermeira lá que disse que tava tudo um...