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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Pipoca de graça, sinapses invadidas

 



Semana bosta. Preguiça, ansiedade. Gente fazendo merda. Livros não caem do céu, que burrice! Mas é isso. É sábado e tem peça legal e de graça na Rampa. Tem que chegar cedo para pegar lugar e aproveitar a pipoca de gratuita. – Eles fazem peça de graça e dão pipoca por que são bons, pai?  – Não. É para ter desconto no imposto. – Mas isso é ruim? – Não, todo mundo ganha. A gente, o artista e a empresa que se promove. – Ah – disse em tom de “entendi” e encerrou o assunto. Se ela entendeu, quem, diabos, sabe? Às vezes, é mais esperto se fazer de doido para não endoidecer de verdade. Preciso anotar isso. – Quer pipoca? – Sim. E fomos para a fila. Três filas. Três grandes filas. Pipoca de graça, tudo bem. No fim de uma delas, apenas, sacos cheios de pipoca nas mãos dos que esperavam. – Qual a diferença entre as filas? – Esta é paga, as outras duas são de graça. – Ah, Obrigado. – Hei, vamos para a fila da pipoca de graça!

               A fila não andava. O pipoqueiro colocava, propositalmente, bem menos pipoca na pipoqueira a fim de enfadar a clientela. – Olha, já fui reclamar com a organização. Esse pipoqueiro está ganhando dinheiro e não está botando nem metade do milho que a panela dá conta de uma vez – a senhora desconhecida falava comigo.  – Olha aquela lá, olha como aquele pipoqueiro faz mais pipoca! – Aquela é paga, senhora – respondi gentilmente. – Eu sei, mas se ele consegue fazer aquela quantidade de pipoca, esses de graça também podem fazer assim. A Marquise tá pagando a eles – retrucou educadamente austera. Ela tinha razão. Não existe pipoca de graça. Eu tinha acabado de explicar isso para a pirralha. Mas é sábado. Não vou me estressar por pipoca de graça... vou só assistir à peça.

               – Hei, bora lá arrumar um lugar e ver o filme? Olha como eles estão colocando pouca pipoca. Não vale a pena. – Sim – e me surpreendi, fosse antes, eu não ganharia tão fácil, sem chantagem. Aquela manada esperando dois punhados de pipoca servida em um saco grande e colorido estava me angustiando, irritando a senhora desconhecida e entediando mais outros que escolheram não se manifestar apesar de perceber a sacanagem. Naquele dia mais cedo, estava pensando se ainda vale a pena sair de casa... tem tudo na TV, com imagens ótimas, som excelente e com perpétuos lugares no meu sofá retrátil, além de Coca Zero na geladeira e nenhum estranho. Na grama em frente ao palco, evidentemente, não tinha mais nenhuma cadeira. Ficamos lá, em pé, com uma visão relativamente honesta. Não chegamos mais cedo... Paciência. Inequívoca resiliência. Na nossa frente, uma família de caboclos de estatura média, filhos bonitos, um deles no colo da mãe enquanto o carrinho descansava. Ao nosso redor, pessoas iam chegando e se acomodando. Aplaudimos o curta que abria a peça, o diretor, os dubladores. Já já subiriam ao palco novamente e estrelariam Sinapses de Darwin.

               Peça boa... muito boa. Era Slipknot, Mad Max, Minions, Divertidamente, Revolução Francesa. Obviamente poético, de muito bom gosto aquela bateria foda no coração e a absoluta guitarra na cabeça. Dois músicos fodas da cidade. Admiro-os com inveja. Que peça linda! Que bacana todo mundo ali de graça, fazendo reels, tirando fotos com flash, comprando espadas brilhantes do senhorzinho ambulante, crianças correndo e idosos trazendo grandes sacos coloridos com pouca pipoca. Que harmonioso caos. Isso não tem em casa, isso não tem nem num teatro fechado! Era o teatro raiz, com artistas de elite, gente da Globo, gente de teatro internacional e boa parte do público ignorantes a tudo isso, só com o belo para admirar.

               Perdi entre oito e quatorze minutos de peça alheio em pensamentos com argumentos precisos, com coisas que me estressam e que não devem valer minha energia. – Fulana, vem cá. – Com licença – ordenou a fulana que poderia dar a volta, não custava nada, não mexeria com ninguém. Aumentariam dois ou três passos, muita coisa... – Oi, Dona Joana. – Essa peça é infantil ou de adulto? – Olha, Dona Joana, nem eu mesmo estou entendendo muito bem. Tem hora que é de criança, tem hora que é de adulto – disseram e se calaram. O que é peça de adulto? Tem que ter piroca, sexo, violência, vazio existencial, dívidas? E se for peça de criança, adultos jovens e velhos não podem ver, caralho? Que coisa idiota, que raiva idiota! Sim, eram duas tontas que não ficaram mais de doze minutos vendo a peça entre o casal que estava à nossa frente e tiveram de se separar por ou um capricho alheio. Direitos não podem ser privilégios, um outro pensamento intrusivo, mas coerente, me dominava. De um lado, o homem e dois filhos no chão – duvido que viam algo; no meio, Fulana e Joana; e, do outro lado, a mulher e o bebê de colo no colo.

               Sapiens de sapiência morosa saíram, a família simpática se juntou novamente, a peça, então, voltou. – Tá entendendo? – Tô, pai, e tá muito legal! Ela assistiu à peça toda de pé, postura horrível, sem reclamar. Aplaudimos, fotografamos. Nós dois e todos ali. Maravilhados. Mais aplausos para os agradecimentos emocionados da Companhia. A emoção do público, apesar de dispersa, era notada; claramente muito menor que a dos que reviam na mente suas jornadas de artistas costumeiramente desvalorizados, seja pela crítica, por quem compra espadas iluminadas do meio da apresentação ou quem atrapalha ao menos três grupos certamente interessados para assistir a no máximo dez minutos de uma peça que não se define como adulta ou infantil. Não é sempre, mas às vezes eu também gosto da minha profissão.

               Fim de festa, muitos felizes, o carro no lugar deixado, sem flanelinha, sem arrombamento. Era a brisa do rio, os barcos no porto, o milho Yoki premium mais caro do que a lógica prevê esperando para ser estourado e temperado com sal e manteiga de garrafa. Era ali agora, filme em casa, sem gente falando, sem espada piscando, sem foto com flash, sem idosos inconvenientes e acompanhantes amarguradas, sem fila, sem criança gritando ou correndo ou gritando e correndo, com Coca Zero e um controle remoto capaz de pausar a história se tiver uma improvável distração externa.

 

Rodrigo Slama

*Imagem do Google

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Maconha, Rivotril, Tadala

 


 

Ele já estava estressado pelo jogo da Eurocopa. Nos últimos tempos, não eram só os jogos dos campeonatos do Brasil que via, mas maratonava, ensandecidamente, qualquer jogo transmitido ao vivo em telas tortas do YouTube. Era melhor ver futebol do que só falar de eleição, pelo menos. Hoje, as telas da TV e do celular estão em simbiose, antes só um ou outro. Droga! Ambos fazem parte de sua cognição lapidada para se aproveitar da segurança do lar para fazer qualquer coisa que achava que quisesse.

               “Olha só! Além de poder abortar, agora tá liberado fumar maconha. Faz o L!”. Dizia irritado ao olhar o WhatsApp. Não adianta discutir com ele. É teimoso... E  estava irritado porque a Holanda perdeu. Ah, não... ele não tem nada de Holandês, mas certamente perdeu, de novo, dinheiro para a tal da bet. Curioso, não é?... a outra Beth roubava da África e morreu santa... Agora outras bets tiram dinheiro de gente desesperada para comer melhor ou de gente fraca das ideias... Será que tem alguma relação estre estes nomes? Não sei. Nem quero saber mesmo. Só queria que aqui em casa fosse mais seguro do que a rua. Talvez faça isso na crença da proteção, mas ele é o principal agressor... ele e seus amigos que endossam barbáries.

               Tive que passar o resto da noite ouvindo o mesmo discurso que está longe de ser retrógrado, apenas, mas verdadeira ferramenta de lavagem cerebral, doutrinação em massa... Fake News é foda! Mata gente, rouba gente, prende gente.  Nos dias seguintes, foi aquela ladainha. “Quarenta gramas de maconha pra todo mundo? A minha pode jogar fora!” Seria engraçado. Eu jogaria a dele “fora”, e teria mato pra aguentar mais uma semana ou mais, dependendo, ele mesmo. Enquanto isso, ele torcia para a legalização das apostas no Brasil. “A bet é boa, mas um cassino me deixaria rico!” Pobre iludido. Iludido... Irritado. Se irritou tanto que tive que dar vinte gotas de clonazepam. Praticamente, não fazia efeito, mas era bom pra acalmar.

               “Agora, todo mundo vai ter que abortar e fumar maconha! Nunca fumei, não vai ser hoje que vou ficar fumando droga!” Verdade. Nunca deu tapa. Nada. Disse. Mas fumava charuto cubano com os amigos, bebia toda bebida que estivesse à disposição. Além disso, era remédio pra dormir, remédio pra acordar, remédio pra foder. Remédio pra não surtar, remédio pra ficar de boa, WhatsApp, caminhadas pela pátria, igreja... Grupo. Grupos! Calma... Tudo escrito, reescrito, prescrito... Foi o médico que passou, foi o pastor que disse, foi o grupo, foram os grupos! Talvez seja remorso porque batia na gente, na minha mãe... Ok, parou faz sete anos, mas batia. Batia.

               Hoje, é maconha, mas já foram as cotas, a pec das domésticas – nunca tivemos empregada –, qualquer coisa que o grupo dissesse... Era fácil, sem reflexão, sem culpa, mas também sem gozo. Era tudo uma balança que nunca era igual. Por mais que ele defendesse a moral, nada poderia limpar sua consciência. Trair a minha mãe não era nada. Nada também de maconha, mas um padê para beber mais era normal na juventude. Lança? Até hoje dá saudade. Cloridrato de Tadalafila é item da lista de feira. Segundo confidência de mãe, nem deve tomar com ela. E, como não sai de casa, não deve tomar com ninguém. É ele, o álcool, os estimulantes e o celular. Sempre o celular!

              

               Já faz semanas e a maconha não sai da sua cabeça. Me disse pra tomar cuidado... se fumasse maconha, acabaria virando sapatão. Oi? Não adianta. Eu não queria me desgastar. Mas ignorar não era fácil, talvez, nem preciso. Era ali. Um rio correndo entre mim... Quais drogas posso? Quais crimes posso? Muito menos que homens, muito menos que héteros, muito menos que brancos.

 

– Toma.
– Opa!
– E aí?
– Muito boa. As suas são sempre boas.


Rodrigo Slama

*Imagem do Google

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Desígnio e despropósito

 





Novo escritório, novo emprego. Casos de família, herança, briga de vizinhos por mangueira no meio dos lotes... Doutora Tereza estava num bom momento de sua vida.
        – A doutora é casada? – perguntou a recepcionista. Uma senhora indistinta, seus sessenta anos e poucos.  

          – Boa tarde, Dona Socorro. Por que a pergunta?

          – Ah, não leva a mal não, doutora. Que a senhora tem tantos anéis nos dedos, que não dá pra saber de aliança.

           – Eu gosto de anéis, mas, sim, tenho um companheiro.  

           – Então não é casada...

           – Como não?

           – Mulher casada tem marido. Foi na igreja o casamento?

           – Não – respondeu Tereza, um pouco constrangida. Mal tinha começado no escritório novo e a já se sentia invadida, julgada.

            – Hoje em dia tá assim, né? O importante é ser feliz.

            – Verdade! – e fitou alguns dos papéis que levava.  

            – A senhora é feliz, doutora?

            – Olha... eu sou, mas eu estou um pouco ocupada, podemos terminar esse papo depois?

            – Tem quantos filhos?

            – Oi?

            – A senhora tem quantos filhos?

            – Nenhum...

            – E quer ter?

            – Não sei, então...

            – E como é feliz sem filho? – perguntou com toques de desaforo à desconfortável inquirida.

Tereza parecia estar numa praia ensolarada de águas quentes ameaçada por um iceberg invadindo a areia como um gigante jet-ski controlado por um patriota enraivecido enquanto saudava a neve que caía. Nada fazia sentido, mas ela, de alguma forma, contemplava, sem transparecer tensão, aquele questionário infindo sobre tudo, exceto trabalho, seu motivo de estar ali. A recepcionista, sem deixar mais que poucos segundos para a advogada raciocinar, solta!

             – É porque, doutora, a mulher só é completa quando tem um filho, sabia?

             – Oi?

             – A mulher só é completa quando tem um filho. É o maior propósito das nossas vidas. Deus...

             – Então, senhora, olha aqui uma coisa! – Tereza levantou a calça do terninho que usava e deixou à mostra sua prótese.

             – Me desculpa, doutora. Mil perdões.

 E nunca mais falaram além das brevidades pseudocortesas do dia a dia. Não sabia Tereza se todos aqueles ataques travestidos de intenções amistosas tinham sessado por conta do deboche com que atacou para se defender ou da pena que possa ter recebido. Talvez fosse a dó. Mente limitada não entende o sarcasmo.



Rodrigo Slama, 21/12/23


* Imagem criada por IA

sexta-feira, 9 de junho de 2023

A colônia dos velhos sisudos

 




Estava cada vez mais difícil controlar os velhinhos. Se dessem mais drogas, não acordariam. Era a colônia dos velhos sisudos. A grande maioria era homem, todos ali não sabiam amar. E já faziam hora extra. Já estavam esquecidos, definhando, enteiando. Evidentemente, algo tinha que ser feito.

Chamaram uma nova fisioterapeuta. Garota vanguardista. Analisou a clientela, em corpo e lisura. Sabia que seria difícil, porém aceitou. Seria sua primeira experiência registrada... era recém-formada, nem sabe ao certo como foi chamada para uma entrevista... Começava o período de experiência e deveria conquistar aqueles velhos carrancudos.  

Na primeira semana, tudo ótimo. Moça bonita, simpática. Mas logo enjoaram. Ninguém tentou mais impressionar a profissional levantando um halter de meio quilo. Teve que bolar um plano. Eles, apesar dos oitenta médios, eram apenas meninos. Jogos iriam ajudar. Deu certo. Até demais.

Brincadeiras, à primeira vista bobas, revelavam-se uma potente ferramenta para o desenferrujar das velhas juntas. Logo logo, na gana do jubiloso triunfo, competiam e declaravam o campeão do dia. Durou mais duas semanas assim, enjoaram. Depois que todo mundo já tinha ganhado ou perdido, o tédio voltou a abraçar os longevos. A fisio teve uma ideia.

– Quem for o vencedor da semana vai ganhar um cigarro!

– Cigarro?

– Pigarro?

– Que finado?

– Cigarro mesmo?

– Opa! Agora eu jogo...

– É... vocês num falaram que tinham vontade de fumar de novo? Que agora não faz sentido cuidar da saúde, etc? Então... vou dar um cigarro pra quem for o vencedor da semana. Daí vocês voltam a se esforçar.

– É uma carteira de cigarro?

– Claro que não. Apenas um cigarro?

– Um cigarro?

– Que catarro?

– Quem fuma só um cigarro?

– Então, não trago nada.

– Uma carteira, vai. A gente divide.

– É, a gente divide!

– Carta pra mim?

– Mas eu não posso entrar aqui com uma carteira de cigarros para vocês. Se alguém pega vocês fumando...

– Não vão pegar.

– Quem tá cantando?

– Vão pegar não, doutora.

– Doutora, você traz o cigarro, a gente brinca e cuida da carteira.

– Pois é.

– Ah, bom... agora eu vou jogar.

Segunda-feira, chega a fisioterapeuta com mais jogos. Os velhinhos se animaram... no final do dia, perguntaram do prêmio.

– Calma! Na sexta-feira a gente vai saber quem é o campeão.

– Mas a senhora vai dar o cigarro, doutora?

– Opa, também quero.

– Maria?

Sem prometer nem acabar com a esperança, seguiu com os exercícios. Não se lembravam de quando estiveram mais empolgados, os moradores do asilo. Tudo por conta de uma carteira de cigarros. E ela veio. Seu Eugênio foi o campeão. Recebeu o contrabando e dividiu com todos que queriam. Cada um cuidaria de não ser pego e racionaria até a próxima semana, quando Seu Alberto seria o campeão e também dividiria, como dividiu Dona Aurora na semana seguinte e na outra, pois ganhou novamente.

Semana após semana, os velhinhos faziam todos os exercícios propostos. Nunca estiveram tão felizes! Claro que perceberam o boró rolando, mas os benefícios, àquela altura da vida, eram, por incrível que pareça, melhores. O cigarro virou o motivo de alegria até para os velhinhos que nunca tinham fumado antes. Por sorte, outra parte do corpo pararia de funcionar antes da fumaça atacar os pulmões.

– Alguém chama a polícia!

– Ajuda, por favor!

– Quem pegou o cigarro?

– Maria! Maria!

A confusão foi generalizada. Seu Osvaldo, o campeão da semana, ao contrário dos colegas, disse que não dividiria os cigarros. Àquela altura, já haviam criado uma microeconomia local e, como em qualquer cadeia, os cigarros passaram a ser uma moeda valorizadíssima. E o que era brincadeira virou coisa séria. Não deu polícia porque idoso morrer em asilo de queda é a coisa mais comum do mundo. Foi a queda mesmo que vitimou o infeliz egoísta, mas ninguém fala que foi Dona Nair, munida de sua cadeira elétrica, quem, dolosamente, levou o Osvaldo ao chão. Azarado Oswaldo, nem teve sorte de cair sem bater a cabeça num grande vaso de barro cheio de babosas.

 

Rodrigo Slama 09/06/2023

*Imagem do Google

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quinta-feira, 25 de maio de 2023

The first of them

 


        Agora, nós já estamos terminando. Somos as últimas folhas da caatinga caindo na acendalha de uma estiagem eterna. Até onde chegaria a nossa Evolução se continuássemos aqui por mais alguns milhares de anos? Sabe o que é curioso?... Eu sempre quis ver o fim do mundo. Egoísmo? Não sei, mas também queria ver o que seria do mundo sem mim. Talvez seja este mundo agora. Assim... Sei nem se a gente ainda está aqui.

Os poucos que nasceram depois da pestilência não duraram muito. Nem chegaram a aprender a falar direito. Não sabiam de nada. Nem sei se a gente pode chamar de ser humano... apesar da casca ser a mesma, por dentro eram todos ocos, mas também, nós não conseguimos ensiná-los muito bem sobre nada. Era só tentar sobreviver. E não dá para sobreviver carregando uma criança que nem sabe correr ainda, chora, come... Eu mesmo não dei conta disso.

Era 2023. Nem me lembro quanto tempo passou depois disso. Nos perdemos nas contas ou as contas se perderam propositalmente. A humanidade tinha acabado de sair de uma pandemia violentíssima... havia uma renovação da confiança na Ciência... a vida voltava à naturalidade. Shows lotados, muita gente nas ruas, estádios lotados... E foi justamente aí que começou o nosso flagelo.

Depois de quase trinta anos, o Botafogo venceu o campeonato brasileiro. O motivo de alegria, choro, pagamentos de promessas e muita zoação – tanto dos que perderam pelos que venceram – também foi a centelha no nosso fim. De uma hora para a outra, por mais impressionante que possa parecer, milhões de camisas do alvinegro carioca passaram a ver a luz do sol depois de décadas. Muita gente nem lembrava que tinha camisa, nem que já tinha comemorado um título, fora muita gente que nasceu depois disso. Teve gente que herdou ou guardou uma camisa como lembrança de um pai, tio ou avô e quis, também, usar em sua homenagem... Botafoguenses ou não.

Foram tantas camisas guardadas, desgastadas, amareladas e mofadas circulando pelo país que houve uma grande onda de alergia que, basicamente, fez com que os seres humanos fossem semeadores de vários cruzamentos de fungos. De tanto espirro e escarro, esta grande orgia cogumelar originaria o Cordyceps Botafoguensis, nosso algoz. E para fungos não existe vacina, muito menos funcionariam remédios de verme.

Rodrigo Slama, 25/05/23
           
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