Tem um tempo já que minha
namorada e eu estamos frequentando terreiros. Não importa se é Umbanda, Jurema,
Candomblé... A gente vai pela comida. Ela que me convenceu. Eu mesma não
acredito em muito coisa não, nem ela; típico de um casal de Taurina com
Capricorniana. Mas temos amigos religiosos e gostamos das danças, das roupas...
Sempre é divertido.
Mas da última vez que a gente foi
eu não gostei não. Primeiro que tinha que cumprimentar um bode na entrada. Eu
nem sabia que se cumprimentava bode. A gente entrou, começou a gira. Uma
entidade veio falar comigo.
– Suncê nunca tinha vindo aqui no
canzuá não, né, fia?
– Não, aqui não – respondi.
– Intonce minha fia vai lá e fala
com o bode.
Fui. Chegando lá, me mandaram
cumprimentar o bode. Cumprimentei. Disseram que ele me cumprimentou de volta,
mas como nem sabia que se cumprimentava bode... Depois daí tudo começou a ficar
esquisito. Eram mais de cinquenta galinhas ali sendo mortas, o lugar cheio de
sangue, as crianças vendo aquilo. Depois mataram o bode e um homem incorporado
veio bebendo sangue da cabeça dele.
Quando me chamaram a primeira
vez, eu tinha preconceito. Mas em todo canto que eu fui até aquele dia tinha
sido ótimo. Todo mundo muito simpático, a comida boa, tudo limpo e organizado,
decorado. Fui pesquisar e um monte de Pai de Santo de YouTube disse que não se
fazia mais aquilo, que quando se matava algum bicho era rezando, era pra comer.
O animal era sacralizado e deveria sofrer menos do que em abatedouros. Não era
para ter, segundo eles, este espetáculo sangrento, a glorificação do sangue
cru, do absurdo, do provocante. Continuei lá, cada um tem sua Cultura.
– Minha fia, tu sabe, né? – disse
uma mulher com roupa preta e vermelha, fumando cigarro e bebendo vinho com
sangue. Tava toda suja.
– Boa noite, senhora. Sei o quê?
– Hum, você sabe muito bem.
Aquele segredo. Aquilo que suncê veio aqui resolver.
– Senhora, não tem segredo não.
Fiquei tentando me livrar dela.
Realmente, não tinha nada de segredo. Tinha ido lá pela comida, mas nem comi.
Nã, tudo seboso. Vendo que eu não estava dando bola, a entidade foi falar com
uma mulher do meu lado. Mal respirei, veio o homem todo cheio de sangue segurando
a cabeça do bode e tomando o sangue dele. Uma nojeira.
– Minha fia, aquele homem vai
voltar pra você!
– Como é senhor?
– Seu homem vai voltar.
– Moço, tem homem nenhum não,
minha namorada tá aqui do meu lado.
O homem riu de deboche e foi
falar com meu amigo que me levou. Cobrou a ele o Pix de setecentos reais por
ter feito ele conseguir o emprego de volta. Veja só, que Exu evoluído! Fala vosmecê,
mas também pede Pix. Tem dificuldade com laterais palatais, mas não com uma
sequência de oclusiva velar surda e fricativa alveolar surda. Pior que meu
amigo realmente conseguiu o emprego, me disse depois. Negociou e pagou em duas
vezes no Pix parcelado. O Exu pegou seu celular na sua bolsinha tiracolo
colorida, conferiu o depósito, abraçou meu amigo, ofereceu a cabeça do bode e
tragou um cigarro.
Enfim a festa acabou. Minha
namorada viu uma moça pagando dois mil e quinhentos reais uma Pomba-gira que
fez o marido dela largar a amante. Com fome, saímos de lá direto para o podrão.
Fui botar ketchup e meu estômago embrulhou. Só danei maionese verde.
Rodrigo Slama
* Imagem gerada por IA