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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Sotaques

            Alguns sabem, mesmo os que só me conhecem pelos escritos deste blog, que nasci no estado do Rio de Janeiro, e moro em Natal, Rio Grande do Norte, há sete anos, a serem completados em janeiro de 2011. E, pelo fato de ser de outro estado, com outra cultura, muitos, na época em que cheguei a Natal, ficaram mangando do meu sotaque, que eu falava chiando e tudo mais. Conseguinte a isso, eu também zoava o sotaque deles... dizia que falavam arrastado, que usavam muitas gírias estranhas e tudo mais.
            Mas – com a permissão desta conjunção já no início do parágrafo – a vida é uma roda-gigante, e, ao passo que o moinho rodava, meu coração e meu sotaque foram se adaptando ao RN. Fui cada vez mais me apaixonando por Natal e mais todos aqueles clichês que os de fora usam quando vão morar em Natal.      
            E, nesses dias, em viagem ao Rio de Janeiro – uma breve visita à família –, surpreendi minha mãe, que até dois anos morava e Natal, com meu sotaque arrastado. Até um primo meu, Rafael, que morava há menos de um ano na Cidade do Sol, ficou mangando do meu arrastar no falar. Entretanto, isso não é o pior!... Não esquento que tirem onda com a miscigenação do meu linguajar – defendo mesmo minha identidade bricolada!... O fato é que, muito acostumado com Natal, sinto dores nos ouvidos ao ver os fluminenses falando – mesmo os meus irmãos. Percebo, agora, o quanto eu incomodava e causava estranhamento nas pessoas ao meu redor, visse? 

domingo, 14 de novembro de 2010

A INVASÃO – parte 1

– Você viu aquilo? – perguntou Pablo a Danilo que, perplexo, não conseguiu responder.
– Hei, cara, vamos... corra!!!
Danilo estava em estado de choque. Nunca vira uma nave daquele tamanho. Na verdade, nunca vira uma nave espacial, muito menos um alienígena.
A tevê noticiava a visita de extraterrestres... A força aérea brasileira toda em peso se posicionava estrategicamente em todas as direções possíveis. Outros países estavam também sendo invadidos, mas até aquele momento nenhum sinal de violência ou ataque era percebido pelas autoridades e pelos irmãos Pablo e Danilo, este com dez anos e aquele com treze.

“Autoridades mundiais firmaram acordo de não atacar até que sejamos atacados. É a primeira vez que a humanidade resolve não combater o desconhecido. Mas será que isso é uma visão pacifista ou medo de represálias... Isso é o que vamos ver após o intervalo, em trinta segundos” – disse Willian Waack, repetindo a notícia que os brasileiros, ou pelo menos a grande maioria, vinha acompanhando pela Globo.
Danilo permanecia atônito... A mãe rezava ajoelhada defronte a uma santa que estava em frente a uma vela acesa. O pai pregava as portas e as janelas, e dizia a todo o momento que estava arrependido de não ter colocado laje na casa ainda. Pablo também estava com medo, todos estavam com medo, mas, estranhamente, sentia que tinha que auxiliar o irmão, que há alguns bastantes minutos deu sinal de que logo iria sair do estado de choque.
Todos aqueles desenhos, filmes, e tudo o que tinha assistido sobre ETs não fazia mais sentido, é como se nunca os homens tivessem podido prever o que estava acontecendo. Já se passaram três dias desde o primeiro contato visual, mas ninguém tinha sido abduzido, ninguém havia morrido pelas mãos – se é que têm mãos, pensava – dos visitantes mais que inesperados. A agonia e a incerteza eram sentimentos presentes em todos, todos os nativos do mundo, mas, até agora, não havia motivo para pânico, e pânico é pouca coisa mais forte que o medo.
A televisão não dava nada de novo, e a mesma imagem era mostrada em todos os canais, sob pequena variação de ponto de vista, ângulo da câmera, qualidade... A Record mostrava uma grande nave sobre o Rio Tietê, ao passo que a Globo mostrava um objeto parado acima do Cristo Redentor como principal foco, o que não os impedia de mostrar algumas outras naves sobre o Brasil e sobre o mundo, que começava a cogitar outras formas de fazer contato... e essas outras formas envolviam armas nucleares.
“É impressionante o tamanho... Especialistas afirmam que os alienígenas podem destruir toda a humanidade e o planeta Terra em menos de dez segundos. O mundo se une na tentativa de não ser destruído por estes invasores...” – Willian Bonner, com muito menos olheiras que seu xará, no JN.
– Maria, você está há mais de três dias ajoelhada rezando... você precisa cuidar dos seus filhos... pare de clamar por ajuda do gesso e olhe as crianças enquanto eu vou, novamente, atrás de comida e água – Juvenal, pai de Pablo e Danilo, falou. O governo tinha proibido de qualquer comércio importante fechar, tais como mercados, farmácias, além de hospitais, unidades de assistencialismos, etc. mas quem respeita o governo nessas horas? Ou qualquer delas?
– Posso ir com você, pai? – perguntou Danilo. – Tenho medo de ficar sozinho.
– Mas sua mãe está em casa... e o Pablo vai cuidar de você.
Contudo, a esta altura, o próprio Pablo, tão forte, que gostava de fazer o irmão aprender o quanto era superior, precisava de ajuda. Um pai, nessas situações, não iria negar companhia aos seus filhos, mas não podia levá-los para a guerra de comida que acontecida lá fora, e nem deixar Maria sozinha na presença de seus santos.
Sem saber o que fazer, Juvenal decidiu tentar convencer sua mulher mais uma vez, em vão. E, na esperança de o tempo passar, decidiu se voltar à tevê mais uma vez... bem na hora em que era anunciado, em um canal ainda não citado, que os invasores tinham feito contato com o presidente da Organização das Nações Unidas, como se o pobre Ban tivesse o mesmo poder que Obama.
Rodrigo Slama (invasão - Cristo)

sábado, 9 de outubro de 2010

A Tartaruga e o Pinto





      As pessoas me perguntam por que não gosto de bichos de estimação. Eu nunca disse que não gostava de bicho, apenas não criava por ter sofrido bastante com os animaizinhos que eu tinha quando criança.
        Minha primeira experiência foi com um pintinho... como eu gostava daquele pintinho, criava como se fosse um cão – talvez o comesse quando virasse um galo, mas, até então, era o meu melhor amigo. 
        Certo dia, minha mãe entrava em casa com sacolas na mão... doida para guardar logo as compras e acender seu cigarro. Avexada e bruta como sempre, ela pisou no meu pintinho. O tempo e meu estômagos viraram na hora. Aquela cena é, sem dúvidas, a pior da minha infância... e olha que eu vi coisa feia sendo criança no fim dos anos 1960. Toda tripa da pobre avezinha saiu de seu corpo pelo cu. Não pensei duas vezes... peguei uma caixinha de sapatos e levei meu amigo para uma benzedeira, tia Aladir. Insisti para que ela o rezasse, quem sabe assim ele ficaria bom já que não estava morto, podíamos vê-lo respirando, com muita dificuldade, por sinal, mas respirando. 
        – Tia Aladir, a senhora pode rezar o meu pintinho? Ele tá quase morrendo...
      – Mas, Maurinho, você sabe que só rezo pessoas... posso tentar... se bem que acho que não vai resolver...
        – Mas tenta, tia, tenta, por favor! – pedi olhando como quem olha a mãe do fundo de um poço com os braços estendidos, lágrimas correndo, e esperando por socorro imediato enquanto a água vai subindo anunciando a tragédia.
            É claro que titia não conseguiu curar meu pintinho, mas espero que ele tenha morrido sem muita dor depois da reza.
                                                   
         Depois do pintinho, eu tive um jabuti, mas naquele tempo chamava de tartaruga. Já ganhei a tartaruga grandinha e tal... Também não tinha nome... ora, se já era uma tartaruga para que inventar outro nome?... Chamava o jabuti de Tartaruga mesmo. E detalhe: achava que era uma tartaruga... fêmea.
        – Pronto, Maurinho – disse minha mãe. Agora se eu pisar nesse seu novo bicho eu não vou matar – e me estendeu a tartaruga. – E vê se para de chorar também.
           – Viva! – algo gritava meu coração.
          Eu brincava sempre com a tartaruga, corria do colégio para poder lhe dar alface e outras comidas de tartaruga. Gostava de colocá-la de cabeça para baixo e ver se ela conseguia se virar... mas ela nunca conseguia sozinha. Mesmo quando eu a deixei a noite inteira assim, ela não se virou.
            Nunca tive um bicho tão forte como aquela tartaruga. Botava brinquedinho em suas costas e ela carregava sem problema... e se minha mãe ou qualquer outra pessoa pisassem na bichinha ela não morreria como o pintinho.
            Mas – o tal mas da história – certo dia uns amigos do meu pai tinham vindo beber com ele em casa... beberam até altas horas. Meu pai e os outros bebedores não limparam o quintal depois da noitada, deixando todas as garrafas espalhadas por lá.  Ao acordar cedo – pois era domingo, e sábado e domingo eu sempre acordava muito cedo, ao contrário dos outros dias –, eu logo corri para brincar com a tartaruga...
            Dei um grito estridente e minha mãe, meu pai e meu irmão acordaram imediatamente. Minha tartaruga estava toda ensanguentada e com indícios de morte....
            Acontece é que aquela tartaruga era macho, e resolveu acasalar com uma das garrafas de cerveja do chão. Devido à pressão, acho, a garrafa estourou e cortou fora o pênis da minha tartaruga. Ela morreu de perda de sangue... Eu não a levei para a tia Aladir, queria mesmo que a tartaruga morresse... Eu não gostaria de viver sem meu pênis, a tartaruga devia pensar o mesmo. 

domingo, 19 de setembro de 2010

Pedro e a poça d'água

Estava cansado e com sono, caminhando numa rua deserta, quando, de repente, um carro passou numa poça e jorrou água suja em Pedro, que despertou definitivamente. Ele geralmente não prestava muita atenção em coisas como uma poça no chão, afinal, a rua era deserta e nunca passava carro lá. Assim que deu conta de que todo o uniforme estava molhado, Pedro resolveu voltar para casa e mudar de roupa para não ir todo imundo para a escola. Por sorte, ele estava ainda acerca de um quarteirão de casa.
O garoto molhado estava decidido a tomar banho, mas estava muito frio para isso, então ele resolveu apenas trocar de roupa... Então secou o rosto e os baços, trocou de camisa e seguiu para a escola, já que estava indo mal em matemática, disciplina do primeiro tempo, e não podia perder uma aula a mais... sua mãe o mataria se ficasse em recuperação de novo.
Três dias depois, assim que saiu do banho matinal antes da escola, Pedro olhou no espelho e percebeu que estava com manchas vermelhas nos braços e no rosto, justamente onde a água jogada pelo carro tinha batido. Ele mostrou à sua mãe e lhe contou toda a história. Foi ao médico imediatamente. Ana, mãe de Pedro, parecia levemente feliz com aquilo, pois havia acabado de fazer um plano de saúde para a família e estava doida para estrear os serviços caríssimos que vinha pagando.
Após a consulta, o médico disse que não tinha sido nada grave, apenas uma micose... Pedro só precisaria usar uma pomada e não coçar, principalmente não coçar. E era justamente o que Pedro vinha fazendo no caminho de casa até o consultório do dermatologista... Na verdade, desde a noite, anterior ele vinha coçando o corpo, principalmente os braços e o rosto.
De lá, eles seguiram imediatamente à farmácia de manipulação para encomendar a pomada – como Ana não tinha entendido a letra do médico, só fez entregar a receita ao farmacêutico. Mesmo doente, Pedro ficou feliz, pois não precisaria ir à aula naquela quinta-feira, mas seu corpo não parava de coçar e coçar... A pomada incomodava, ardia... E a vontade de coçar só fazia aumentar. Aquela pomada deveria aliviar a irritação, mas não estava adiantando de nada, muito pelo contrário. Pedro já estava ficando com raiva daquele incomodo todo.
A irritação era tão grande que ele acabou tirando a pomada, e continuou a coçar. Ele passou gelo, o que não adiantou; fez umas receitas caseiras que pegou na Internet, mas nada resolvia, absolutamente nada. E um dia depois de ter ido ao dermatologista, Pedro voltava ao consultório com a mãe. Agora, até mesmo os seus olhos estavam vermelhos: não tinha pregado os olhos durante a noite.
Ao ver o estado do rosto e dos braços do rapaz, o dermatologista ficou assombrado, perguntou o que mãe e filho fizeram de errado, afinal, passar pomada e ficar sem coçar não é uma coisa muito complicada para uma mãe e um menino de treze anos fazerem. Mas era o que parecia.
O médico conferiu a pomada que havia prescrito, mas a receita estava correta. Então ele pediu para conferir a pomada comprada, e para sua surpresa era a pomada errada. Pedro vinha usando uma pomada para outra enfermidade que, ao entrar em contato com a micose, causou esse efeito colateral.
– Eu falei pra você conferir o nome do remédio, menino...
– Mãe, o cara da farmácia me deu esse e mandou conferir com a cópia da receita, pois a que a gente deixou lá tava no arquivo ou foi pro Ministério da Saúde, sei lá...
– E você não conferiu por quê?
– Porque esqueci a receita...
– Bem feito... isso é pra você aprender a lembrar das coisas.

Para a sorte do garoto, o médico dermatologista deu um jeito. Ele mesmo aplicou uma pomada que imediatamente aliviou a irritação e a coceira. Com três dias, Pedro já havia notado a diferença e não passara a noite querendo arrancar a pele do braço e do rosto. Quem não gostou nada da história foi a irmão de Pedro, Cíntia, que estava escrevendo um conto sobre mutação... era a história de um menino que se expôs a determinado produto e ganhou o poder de camaleão... mas não era um herói esse protagonista, era o vilão da destruição da paz do mundo.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Palavrão e Boca Suja

            Eles nasceram em Goiânia, como toda dupla sertaneja tem que nascer, mas ao contrário das demais, eles não plantavam tomate, nem tinham que comer ovo cru, muito menos eram filhos de ricos fazendeiros e formados em odontologia ou algo do gênero.
            Mirosrio e Durvalindo eram filhos de Francisca Joana, dona do cabaré mais famoso da grande Goiás, chamado Todarrô Lakiédura. Os dois cresceram em meio às putas, entre os bêbados e os errantes, aprenderam tudo que sabem naquele ambiente. A primeira palavra que Mirosrio aprendeu foi xoxota, ao passo que Durvalindo aprendia que chupeta não era um bico de borracha em formato de mamilo que serve para enganar o bucho do bebê.
            Durvalindo ganhou um violão da mãe ao fazer cinco anos de idade, um dia depois do aniversário de seis anos de Mirosrio, que ganhara uma sanfona velha e desafinada - Francisca Joana aceitou aqueles instrumentos como pagamento atrasado de um ex-cantor da região. Eles passaram o dia inteiro tentando aprender a tocar os tais instrumentos, além de passar o tempo entre um acorde e outro ouvindo as canções sertanejas mais famosas das rádios do centro-oeste.
            O tempo se passou, os meninos aprenderam a cantar e a tocar. Eles ficaram tão bons, lá pelos seus quinze e dezesseis anos, que resolveram compor as próprias canções, e como não tinham um grande conhecimento de mundo e rico vocabulário, compunham canções baseadas em acontecimentos do puteiro da mãe e com o palavreado apropriado.

Rapariga quero comer teu cu,
Mas não quero pagar mais por isso,
Pega logo o sabonete,
Pra amaciar a entrada do Roliço.

Meu pau ta doido pra te comer,
Garçom: chega de trazer cerveja,
Essa quenga já bebeu vinte e um,
E mesmo melada não quer me dar o cu.

Ô rapariga, ta de putaria?
Te dou mais dez se você chupar,
Boca macia sem dentes pra machucar,
Mas no seu cu que quero ir gozar.

Meu pau ta doido pra comer você,
“Vamo” subir que quero ir foder,
Comer seu cu é meu desejo agora...
Me chupa logo ou meu pau “istora”.

            A primeira vez que os meninos cantaram essa música, a primeira que eles fizeram, Desejo de cu, foram mais que aplaudidos no cabaré. Os frequentadores do estabelecimento gostaram tanto que os rapazes tiveram que tocar a mesma música a noite inteira... apenas as putas não gostaram, pois isso aguçou a criatividade dos fregueses...
            E foi assim que surgiu a primeira canção do Palavrão e Boca Suja, a dupla sertaneja mais odiada e amada de toda história da música regional de Goiás.