Páginas

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

O cidadão de bem



– Essa cidade tá muito perigosa!
– O país todo tá. Pega.
– Mas tá foda, pô. Esses dias meu pai foi assaltado, levaram o carro dele.
– Foi mesmo? Como ele tá?
– Tá puto... não tinha seguro e encontraram o carro batido. Pega.
– Peraí... Mas ele sofreu alguma violência física?
– Não, pô... mas é foda.
– É...
– Se o cidadão de bem andasse armado... isso não acontecia. Pega.
– Que conversa... Toma.
– Se meu pai tivesse armado, não teriam roubado ele.
– Como que foi o roubo?
– Ele tava entrando no carro e renderam ele.
– Por trás?
– Foi, pô... foda. Oh, pegaí.
– Mas se ele tivesse com arma na cintura do que iria adiantar?
– Se o bandido soubesse que todo mundo podia tá armado não iria assaltar. Passa aí.
– Ou então já ia chegar atirando.
– Tu acha?... Toma.
– Tô de boa. Claro!
– Depois que inventaram esse negócio de Direitos Humanos só a gente que se ferra... bandido tá tudo solto. Apagou.
– Toma o isqueiro. Né assim não! Direitos Humanos não defendem bandido não... na Declaração só diz que todo mundo tem que ser julgado de acordo com as leis.
– Lei só serve pra bandido... Dá pra conversar com você não, mano!
– Pô, negão, pensa um pouco! Tu acha que andando armado você vai tá mais protegido?
– Se o bandido souber que todo mundo anda armado... não vai assaltar. Tem comida aí?
– Tem pão com mortadela lá na cozinha... pega lá.


* Baseado (rs) em fatos reais...

sábado, 2 de setembro de 2017

Um pênis de duas cabeças

Google imagens

- Toda noite eu acordo com sua mão no meu pênis. Aquilo já estava virando um pesadelo. Eu não aguentava mais ver o meu próprio corpo ser violado daquela maneira. Não queria ser tocado daquele jeito, não queria ser estimulado por ele, seu juiz...
- Toda noite é a mesma agonia. Eu demoro a dormir... tento dormir depois dele, mas ele sempre dá um jeito de acordar e me masturbar enquanto eu durmo. Ele diz que o meu pênis é dele, que ele tinha direito sobre o meu corpo. Mas isso é um absurdo! Eu não aguento mais aquilo e, por isso, procurei a justiça...
O outro ouvia tudo aquilo calado.
- E parece que tudo piorou. Durante o banho, com a desculpa de limpar, ele aproveita e me toca daquele jeito imundo. Eu reclamo, ele para, mas volta. E ainda vê pornografia na minha frente... eu nunca gostei disso, seu juiz, mas ele sempre foi tarado!


No julgamento, o juiz analisa o caso dos irmãos siameses que dividem o mesmo pênis. 

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

O rolezeiro

Google imagens


– Bora, cara! A gente vai se atrasar.
– Calma. Tô terminando aqui.
– Que merda, velho. Parece uma mulher se arrumando... puta-que-pariu!
– Parceiro, eu tô terminando aqui.

Na festa, todas mulheres olham pra ele. Estava de bermuda branca, camiseta de marca comprada no camelô do Alecrim, elásticos coloridos num aparelho que não precisava usar, óculos espelhados - apesar de ser noite - e um corte de cabelo bem peculiar.
– Tá vendo, parceiro? Todas as mulheres estão me olhando...
– Percebi.
– Quer fazer uma aposta?
– Que aposta?
– Quem pegar mais mulher aqui na festa come o cu do outro?
– Como é? Olha as ideias!
– Bora? Sabe que vai perder, né?
– É impossível você pegar mais mulher que eu aqui.
– Então bora apostar o cus!
– Tá apostado, então.

Duas horas depois, a Festa dos anos 80’ terminou. O rolezeiro não pegou uma mulher sequer. O amigo, que não estava interessado em perder a aposta, mas, ao mesmo tempo, não tinha pretensões de ficar com muitas meninas, ficou com uma garota com quem trocou telefone e promessas de reencontros.

– Porra, parceiro... Não sei o que aconteceu hoje. Toda festa que eu vou as minas ficam loucas comigo.
– Mano, você tem que analisar cada situação. Tem que saber qual é o público da festa. Tava na cara que você não ia pegar ninguém vestido desse jeito.
– Foda. Agora já era, vou ter que te dar o cu.
– Relaxa, cara. Quero comer teu cu não.
– Como é?
– Não quero comer teu cu! Só apostei porque sabia que você ia perder.
– Que papo é esse, parceiro?
– Ué?

– Aposta é aposta... pode botando esse pau pra fora e comendo meu cu, parceiro!

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Beatriz e Tiago



Aos quatorze anos, ele não era um adolescente normal como todo adolescente deve ser. De manhã, ia para a escola. Não sentava nem na frente e nem no fundo, não ficava quieto, mas não era do grupo da conversa. À tarde, ele ia pro inglês e aprendia novamente o que via nos jogos. Além do inglês, fazia judô. Nunca passou da segunda faixa, mas não achava tão ruim usar o quimono. À noite, revezava seu tempo entre jogos on-line e o pornhub, mas estudava quando estava perto das provas, sobretudo para as provas de recuperação.
Nunca namorou, mas era seu sonho. Todas as noites, antes de dormir, pensava na menina mais bonita da sala, que era disputada pelos caras mais populares das festas que ele ia e nas festas às quais ele não era convidado. Nos seus devaneios, eles eram um casal. Namoravam há tempos, comemoravam datas importantes, trocavam presentes... Na vida real, eles mal se falavam. Pertenciam a grupos tão distintos que não tinha nem como conversar.
Beatriz era inteligente, linda e gostava de ler. Tiago era medíocre, pálido e assistia a filmes dublados. Ela era de classe média, ele era riquíssimo. Um dia, mandou flores, mas não assinou o cartão. Quem entregou foi o coordenador da escola que disse ser de um admirador secreto. Durante as noites, ele sonhava antes de dormir. Durante as noites, ela estudava antes de sonhar.
Aos trinta anos, Beatriz realizará todos os seus sonhos.  

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Rastro de feijão descomido






Fazia três dias que eu não cagava. Eu nunca tinha ficado entupido antes. Na verdade, o meu problema sempre foi o contrário... eu, geralmente, cago demais. O problema é que minha mãe fez uma farofa muito boa no natal e sobrou quase tudo. Como adoro farofa e ninguém aguentava mais comer resto da ceia, me esbaldei naquele balde de farofa temperada. Comi tanto que a merda ficou presa no meu intestino e não saiu nem com reza braba.
Meio envergonhado, pedi ajuda à minha mãe. Me deu laxante. Um quarto do recomendado. Pense num laxante porreta! Estava no curso. Tinha tomando o remédio na hora do almoço, antes de sair. Durante as primeiras aulas, não senti uma pontada sequer no bucho. Achei que não iria fazer efeito e teria de tomar de novo. No intervalo, aproveitei a caminhada até a cantina para peidar um pouco... já estava começando a me sentir aliviado, mas vontade de cagar que é bom nada. Bom... que eu cagaria só em casa, no conforto do meu sanitário.
Fim da aula. Fui sem muita pressa, mas sem a calma de sempre, para o ponto de ônibus costumeiro. Caminho até em casa era breve, mas que se alongava devido ao horário, ao trânsito e à quantidade de pessoas espremidas no coletivo. Consegui pegar lugar sentado. Quase sempre eu conseguia, porque a o curso ficava antes do centro, e lá que subia muita gente. Sentei na janela, pouco antes do meio do ônibus. Ouvia Kate Perry no celular. Gosto muito de Kate Perry, quase tanto quanto de Motörhead.
Estava quase na metade do caminho quando comecei a ouvir um ronco na minha barriga. Não era fome, tinha comido uma coxinha com bastante catchup, mostarda e uma maionese que que ficava quase todo horário de funcionamento da cantina do lado de fora da geladeira. Sabia que aquele ronco significava merda. Comecei a rezar para o ônibus chegar logo. Sabia que iria demorar ainda mais quase uma hora para chegar ao meu destino. A cada freada, era um susto diferente. Queria peidar, mas tinha medo. Queria cagar, mas não podia. Pensei em descer do ônibus e procurar algum banheiro, mas acreditava que conseguiria chegar em casa na hora. Eu tinha de chegar em casa na hora!
A velha que estava sentada do meu lado desceu, sentou uma menina bem bonitinha com a camisa do Helloween. Eu já estava sem os meus fones de ouvido, porque a Kate Perry estava me deixando mais nervoso. Percebi que a menina ouvia Mc Ludmilla. Ela devia achar que a camisa era da festa de halloween, nem devia saber que é de uma banda. No tempo em que pensava nisso, me senti um pouco aliviado, até que o primeiro peido saiu. Queria muito que ele não tivesse sido barulhento e molhado, mas já era. Teria de segurar o cu agora. Uma freada era uma mancha além da minha cueca, mas na minha dignidade.
Pelo jeito, tinha saído mais merda do que eu pensei. Toda vez que o ônibus passava num quebra-molas, eu me sentia escorregando da cadeira. Até que a vontade apertou de vez. Eu já estava preocupado, mas a sensação era de que eu iria explodir pelo furico e eu tive que desapertar o caneco. Saiu merda. Saiu muita merda. Saiu mais merda do que alguém em plenas condições físicas poderia produzir. Era tanta matéria orgânica que eu sentia escorrendo pelas minhas pernas, entrando nos meus tênis e deixando no ar um cheiro de peido no banho incontrolável.
As pessoas começaram a tapar o nariz. A menina ao meu lado disfarçou e pediu parada. Não tinha mais gente de pé, mas as pessoas que estavam sentadas logo se levantavam para abrir as janelas superiores. Alguns arriscavam a colocar a cabeça para fora enquanto o casal de idosos atrás de mim comentava que esse governador desgraçado não estava arrumando o esgoto da região.  Nesse momento, liguei o botão do foda-se. Já estava cagado mesmo, se tivesse que sair mais, que saísse. E saiu. Continuou saindo mais e mais por alguns segundos, talvez minutos.
Enfim, chega meu ponto. Entre o ponto e a minha casa ainda precisava andar uns oitocentos metros. Levantei a alça da minha mochila para ela não encostar na minha calça e segui meu caminho. Os meus pés, mais o direito que o esquerdo, estavam, literalmente, encharcados de bosta. Nos primeiros cinquenta metros, fui deixando um rastro grosso de bosta que se estendeu mais modesto até a porta de casa. Parecia uma vaca, mas ao invés de capim saíam uns carocinhos de feijão.
Cheguei todo cagado. Minha mãe quase vomitou. Mandou eu tirar a roupa no quintal mesmo. Não deu pra reaproveitar a cueca. Não compensava lavar. Enquanto eu seguia para o banheiro, minha mãe tapava o nariz com uma mão e empunhava o cabo de uma vassoura na outra. Ela pegou minhas roupas, colocou no tanque e deixou a água correr como se não houvesse conta no fim do mês e tacou todo tipo de produto de lavanderia em cima.
Depois de estar de banho tomado, comecei a rir da história. Pensei como as pessoas do bairro iriam reagir ao ver o rastro de feijão descomido que jamais levaria para uma casa de doces, mas para o primeiro banheiro químico do carnaval de Olinda. E fiquei com certa pena do cara que iria limpar o ônibus depois e encontrar aquela poça de merda fedida nos pés do quinto assento do lado da janela direita.