Eu tava no muro tentando olhar
para a vizinha da frente, mas não vi. Via a mãe dela, uma mulher chata que
inveja a vida das pessoas, que chifra o marido com um dos amigos do bêbado que
ele se tornou por conta da traição. A mãe dela se transformou num bode, num bode
voador... parecia a aquele cachorro da história sem fim, mas ele era bem menor,
e tinha chifres, e carregava uma bolsa rosa. O bode tentava impedir que uma
pomba levasse seus temperos mágicos que seriam colocados na merenda barata e
superfaturada da escola pública do bairro distante. Um bairro conhecido pelas
suas altas taxas de criminalidade, um bairro pra onde iriam adolescentes de
classe mérdia comprar talco de narina de senador e desencaminhar mocinhas quase
inocentes. Vi tudo isso com a minha luneta.
sábado, 14 de fevereiro de 2015
sábado, 15 de novembro de 2014
sexta-feira, 3 de outubro de 2014
O cego na praça
Era um cego na praça. Ele vendia quadros lindos
pintados a óleo. Quadros que retratavam paisagens magníficas, cenas de família.
Um cachorro que se parecia muito com o animal que deitava ao seu lado, um cão
velho, sujo e com uma ferida na orelha com muitos bichos.
– Quanto estão os quadros? – perguntei.
– Depende, meu filho. O quadro do cachorro sob a
sombra da tarde está cinquenta reais. O quadro do senhor sorridente abraçando o
seu filho que chora pela perda do dente custa setenta reais. Os preços variam.
Você se interessou por algum?
– Sim – fiquei curioso pra saber como ele sentia ao
descrever uma cena que nunca viu. – Gostei do quadro da senhora lendo.
– Foi? O que te chamou a atenção neste quadro?
– Não sei... achei a senhora simpática. Não entendo
muito de pintura – disse.
– Olhe bem para o seu sorriso. É um sorriso
simétrico, dificilmente alguém sorri assim. Cada lado de um ser humano é
diferente do outro... você tem uma orelha maior que a outra, um olho mais caído
que o outro, pode ter milímetros a mais
numa perna ou braço – o cego disse virado para o nada. E continuou: – O livro
que ela segura não é qualquer livro, é um livro de histórias infantis. Perceba
como as extremidades do livro estão gastas, como se ele fosse lido inúmeras
vezes durante a sua vida. A cadeira de balanço a qual a senhora está sentada também
não é uma cadeira comum... é uma cadeira de amamentação. Todos pensam que são
iguais, mas as linhas de uma cadeira de amamentação e uma cadeira de balanço
são diferentes. A cadeira de amamentação é um pouco mais leve de se olhar.
Fiquei espantado com
os detalhes da descrição. Não contive a curiosidade e perguntei:
– Como o senhor,
sendo cego, sabe tão bem sobre os quadros que está vendendo? O senhor é cego
mesmo.
– Gostaria muito de
ser um charlatão, mas, infelizmente, sou cego. Sei sobre os quadros porque fui
eu mesmo que pintei.
Fiquei sem reação. Perguntei o preço
do quadro da senhora. Ele disse que custava oitenta reais. Eu não tinha esse
dinheiro. Fui embora.
por
Rodrigo Slama
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19:12
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Crônicas
sábado, 8 de setembro de 2012
O episódio da lâmpada
Estava
cumprindo a quarentena no hospital onde acordei após meu sono de dez anos. Era
tardezinha. Eu acabava de tomar o chá de erva cidreira que me deram acompanhado
de um belo pão com manteiga, um pão quentinho como eu não comia fazia tempo –
isso sem levar em conta os dez anos – é que mesmo antes de dormir eu já
desejava um pãozinho desse mesmo jeito, que me fazia parecer ter voltado à
infância... Comer aquele pão me lembrava bons momentos, uma simples mistura
milenar de trigo e água que era incrementada pela minha mãe com a quantidade
exata do recheio perfeito para um pão quentinho, a manteiga.
Decidi passear
pelo hospital, conhecer gente nova. Caminhando pelos corredores aleatoriamente
olhando para as fotografias nos murais, nos recortes de revista que falavam
sobre os pacientes importantes e desimportantes que haviam sido “salvos”
naquele centro de ajuda, como ainda eu não tinha visto a não ser por aquelas
séries americanas que passavam na televisão antes da Rede Globo começar a fazer
minisséries tão boas como as produzidas nos Estados Unidos.
Sentado,
calado e olhando para o teto; foi assim que estava ele, Antônio de Macedo e
Maria, pelo menos foi o que a enfermeira me disse quando a indaguei sobre
aquele sujeito que me fez dar tantas gargalhadas que quase não consegui escrever
este capítulo só por lembrar aquela cena de alguns muitos anos atrás.
Disse olá e me
apresentei da forma mais simpática possível. – E você, como se chama? –
perguntei com toda delicadeza e respeito, pois não sabia como iria reagir
aquele sujeito meio... pensativo, talvez. Porém ele nada me respondeu, apenas
me olhou, não nos olhos, e pôs-se a voltar a admirar o teto, que era tão comum
como o teto da sua casa, a não ser que você more numa casa sem forro, num
palacete ou debaixo duma ponte de concreto, com todo respeito.
– Hei, senhor!
– chamei pela segunda vez, desta cutucando-o no ombro. Ele, além de não
responder, não me olhou, nem se moveu como no primeiro contato.
– Amigo, vamos
conversar! O gato comeu sua língua? Vamos cara... vamos bater um papo, eu lhe
pago um cafezinho... – ele nem deu atenção.
Percebi que
poderia estar falando com uma pessoa simplesmente grossa, que não gostasse
mesmo de conversar. Aquele cara poderia estar me esnobando, logo eu que fui tão
amistoso, que já tinha feito amigos em todo o andar e metade do andar de cima
ser ignorado por alguém que nem olhar nos meus olhos olhava...
– Vamos comer a lâmpada? – perguntei tentando
descontrair, deixá-lo mais a vontade.
– O quê? – ele
perguntou com os olhos arregalados, olhos de quem está sendo perseguido por
policiais militares armados e despreparados.
– Vamos, me
ajude a puxar este banco... Nós vamos comer esta lâmpada e vai ser agora – me
levantava como se realmente quisesse a lâmpada.
Eu já tinha percebido que ele era um doido e
quis me divertir. Mas ele se agarrou ao banco e disse:
– Não! Não! Não!... Não quero comer a lâmpada!
Ela deve ter gosto de cebola. Não me dê por favor, por favor, por favor, por
favor, por favor...
Nessa hora o
doido começou a chorar enquanto eu já ficava sem ar de tanto rir. Os outros
pacientes, entre eles deveria estar o segurança da rodoviária, caíram na
gargalhada assim como eu. Aquela imagem era mesmo engraçada. Um doido, que
deveria ter uns setenta anos, chorando como um bebê chamando a mãe para que ela
não o deixasse comer aquela lâmpada, que ora devia ter gosto de cebola, ora devia ter gosto de vaga-lume, causando-o, assim, azia, que ele chamava de
vulcãozinho no bucho.
Eu tinha que
ter pedido uma cópia da fita à segurança do hospital, só para ver o povo todo
caindo no chão, inclusive alguns enfermeiros, quando ouviam: – “Eu não quero
ter um vulcãozinho no bucho, mãe! Eu não quero...” – e mais – “isso deve ter
gosto de cebola crua, e eu não como cebola crua, porque cebola crua é ruim, é
por isso que eu não como cebola crua, se eu achasse bom cebola crua eu comia
cebola crua, mas como eu não gosto de cebola crua, eu não como cebola crua,
porque cebola crua é ruim...” – O pobre dizia e chorava, aos soluços, ao mesmo
tempo. Mas aí chegou uma psicóloga metida a dona da verdade, e do doido,
acabando com a brincadeira.
Daí em diante, eu não precisava sair à procura de gente para conversar, as pessoas é quem me
puxavam assunto partindo, é claro, da história da lâmpada com o doido Antônio
de Macedo e Maria.
Trecho de Após o sono de dez anos
romance - Rodrigo Slama
por
Rodrigo Slama
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10:58
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domingo, 30 de outubro de 2011
Chapeuzinho Vermelho e sua curiosidade sobre os lobos
– Vá na casa da sua avó, sua preguiçosa, e leve a cesta básica do mês – disse a mãe da Chapeuzinho Vermelho, uma menina de dezesseis anos que desde pequena usava um modelo original de chapéu cobiçado secretamente por todas as meninas da região.
– Não tô a fim, mãe! Todo mês eu levo essa cesta, por que você mesma não leva? Eu estou assistindo a nova temporada de Glee e não estou nem aí pra vovó...
– Você sabe que aquela velha não fala comigo desde que seu pai morreu naquele acidente de carro.
O acidente tinha sido há cinco anos e meio, desde então, a mãe de Chapeuzinho tinha que ajudar a sua ex-sogra porque ela ameaçava pô-la na justiça e retirar a horta que ela cultivava, idealizada pelo pai da Chapéu. Até hoje, as causas do acidente não foram completamente esclarecidas, mas sabe-se que o pai dirigia, e perdeu o controle. O problema é que ele era conhecido pela sua extrema atenção, não desfocava de nada por nada. Algo fez com que ele perdesse os sentidos. O estranho é que ele estava com o sexo rígido quando encontrado, uma leve mancha de batom em sua cueca e um sorriso de felicidade que espantou a todos. No carro, só estavam o pai e a mãe de Chapeuzinho Vermelho.
– Tá bom eu vou, falou a Chapéu, mas vou querer que aumente minha mesada daqui pra frente... todo mês é isso...
– Menina, não reclame! Já não basta o colégio caro que te pago, a internet, a conta do celular e todo prejuízo que você me dá...
– Tá bom, mas não enche o saco – disse a menina, saindo com a cesta e deixando a mãe falando sozinha... Quando estava atravessando a rua, escutou o grito de sua mãe, que dizia a mesma coisa todo mês a mais de cinco anos:
– Não vá pelo Bosque... tem muito lobo por lá e pode querer comer você.
Lobo era como as pessoas da região chamavam os rapazes que se aproveitavam de moças ingênuas.
Chapeuzinho Vermelho, que há muito não respeitava sua mãe – movida por uma índole rebelde da qual não sabia a origem –, foi, obviamente, pelo Bosque, o caminho mais curto, pois queria voltar logo para casa e continuar assistindo o seriado que parecia amar mais que sua própria segurança.
O Bosque é um lugar sombrio, um extenso corredor que ligava um lado da pequena cidade a outro, no entanto, a maior parte de sua extensão fica entre prédios antigos, alguns abandonados ou habitado por sem-tetos ou sabe-se lá Deus pelo quê. É conhecido pela quantidade de vagabundos e prostitutas que abriga. É quase que inteiramente calmo, mas não custa redobrar ou triplicar a atenção ao passar por lá, lembrando que só se dever fazer isso em caso de extrema necessidade.
Há muito, a Chapéu queria passar pelo Bosque e ver quem eram os tais lobos que todo mundo falava. – Será que são bonitões como o Cory Monteith? – se perguntava. Ela não sabia e nem tinha coragem para descobrir, mas naquele dia era unir o útil ao agradável... ela queria voltar logo para casa e queria saber quem eram os lobões...
No caminho, um pouco amedrontada, claro, ela cruzou pelo primeiro lobo, mas ele estava vendendo drogas para uma menina magra que só e nem deu atenção a ela. E, conforme foi caminhando em sua longa caminhada, ela cruzou com um lobo lindo, era exótico, tinha os cabelos grandes, a barba por fazer, um olhar tão negro quanto os seus sentimentos pela professora de física, ela olhou para as mãos dele – tinha fetiche com mãos – e se admirou com o tamanho: – Deve ser lutador de boxe – pensou.
O lobo logo flertou com a menina que recusou qualquer contato maior que o visual já existente, e pediu para seguir seu caminho em paz. O rapaz, que já ouvira boatos sobre a linda menina que visitava sua avó mensalmente, se apressou e foi para a casa da velha, tentar esperá-la lá, de preferência na cama. E assim o fez.
Chapeuzinho mal falava com sua avó, e assim que chegou na casa, que, em todo dia 05 de cada mês já ficava aberta, ela foi procurar saber se a velha estava viva.
– Vó! Cadê você? Sou eu...
Sem obter resposta ela pensou: – Ou a velha está dormindo ou morreu de vez. E foi até o quarto para saber como a velha estava. Ela estava dormindo, coberta dos pés à cabeça pelo edredom.
– Nossa, ela parece maior quando deitada – pensou em voz ligeiramente alta.
– Vó, vó, sou eu, Chapeuzinho, a senhora está dormindo?
Com a voz rouca a avó respondeu: – Não, minha netinha, estava esperando por você.
– Netinha? O que deu na senhora? E o que é isso grande aí no meio do edredom?
De súbito, o lobo tirou o edredom e disse: – É o meu pau, e é pra te comer...
Sem reação, sentindo uma mistura de excitação e medo, a Chapeuzinho não correu. Ficou ali parada esperando a ação do lobo, que a tornaria uma mulher.
Durante alguns longos minutos que formaram poucas horas, os dois se divertiram. Na hora de ir embora, a Chapéu perguntou ao novo amigo: – O que você fez com minha avó?
– Eu a comi antes de você chegar, de tão feliz, ela me emprestou a casa e foi fazer uma visita ao lenhador, o porteiro de um dos prédios da rua que faz uns bicos de michê para as madames da região. Acho que queria continuar a brincadeira.
Eles trocaram telefone e ficaram de se encontrar mais vezes. Daquele dia em diante, a Chapeuzinho Vermelho não reclamava mais quando mandada levar a cesta para sua avó. Elas até tinham um assunto em comum agora.
por
Rodrigo Slama
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01:20
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