No cruzamento da Bernardo Vieira com a Romualdo Galvão, mais ou menos, avistava do quarto assento do lado direito do coletivo, obviamente o lado da janela, um homem com seu filho, provavelmente seu filho, na parada reservada aos ônibus do interior, já em frente ao Midway. O menino parecia ter fome, seu pai franzia a testa onde batia o forte sol do meio dia semi-aparado pelas árvores da região. Mas as rugas momentâneas da testa não eram devidas somente ao sol, não.
Sob a viseira do boné da campanha passada para o governo, podia-se notar o abatimento moral daquele pai que via o filho como uma estátua de olhos brilhantes e água escorrendo da boca rachada olhando, sem outro foco, para um carrinho de milho e pamonha que costuma estacionar por ali. O menino, de sete ou oito anos, parecia um leproso olhando para Cristo, pelo menos depois de ver essa cena era assim que eu imaginava o olhar de um leproso.
Logo chegou o ônibus com destino a Ceará-Mirim. E o homem, de vestes simples, que portava uma mala cheia de alguma coisa pesada, puxou a mão de seu filho, após chamá-lo umas três ou quatro vezes. Aquele pai parecia fazer algum esforço, e um bom esforço, e mais esforço para que o filho andasse, mas nada acontecia, nada movia o corpo magricelo daquela criança, que vestia uma bermudinha surrada, mais ou menos uns dois ou quatro números acima do que o menino deveria vestir, era segurada por um pedaço de fio de antena amarrado do lado esquerdo daquele pequeno quadril.
Por fim, meu ônibus seguiu o itinerário, mas, arriscando minha cabeça, consegui ver o pai do menino tomando a mão de seu filho e o induzindo a chupar o dedão. O menino punha a mão livre no vidro da janela em que sentava, parecia querer pegar com a força do olhar e da mente inocente o milho que o vendedor entregava ao carona de um Corola que esperava quase sem paciência pelo troco da nota de vinte reais que usara para pagar pelos grãozinhos amarelos que perseguiram o cearamirinesezinho nos sonhos daquela noite.