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sexta-feira, 18 de novembro de 2022

A Cartomante e o Cético

 



Casa de Tranca-Rua. Cartomante. Mãe Clara de Oyá.

Tinha sempre consulta. Tinha vezes em que nem desvirava para almoçar, diziam. Duvido. Duvido de tudo e fui ver, disse. Passei uns dias indo. A leitura das cartas não me pegaria como pegou Camilo. Não! Eu não me deixaria me envolver pelas palavras, promessas, amores e fama de lá. Mas voltei. Voltei em outros horários e forcei uma amizade. Nossa, fazia tempo que eu não conhecia gente nova, ela agradecia por ter alguém pra falar de macho, passear... essas coisas.

– Bicha, faz tanto tempo que não saio numa sexta ou num sábado.

– Bora, mulher. Bora tirar um dia de folga.

– Tenho compromisso com Dona Maria Padilha.

– Você tem é boleto, né, mulher?

– Como é?

– Nada não – disse se fazendo de besta.

O tempo passou, não disse o quanto. A gente foi ficando amigo. Ela um tempão chamando que queria ir pro samba no Beco da Lama. Mas já disse que não posso, que tenho psicólogo. Faz meses que tento trocar de horário, mas esse é o único. Enquanto eu fazia análise, Clara dava consulta. E eu justamente discuti isso naquela sessão. Já fazia meses que eu era ‘amigo’ daquela cartomante que eu já estava com pena da mulher. Ela não era má, era apenas meio doida, acreditando na própria mentira. De qualquer maneira, eu não queria lá e desmascarar a charlatã, só queria que ela suprisse suas carências de outras maneiras.

– Mãe Clara, olha só. Tava pensando aqui. Meu psicólogo tem um amigo pra indicar que também tem horário na quinta. Você num tava querendo deixar de atender na quinta de noite?

– É, mas eu quero parar da dar consulta pra ir pro samba, pro funk...

– Ah, mas então vá sozinha.

– Você sabe que não vou sem você.

– Então faz assim. Faz duas sessões de terapia e eu perco uma minha pra sair contigo.

– Num preciso de psicólogo!

– Tá, mas eu preciso, mulher.

Riram e marcaram as consultas. Foram ao Beco na terceira semana, mas ela tinha gostado da análise e retornou para um longo ciclo. Agora ela faz cursinho para o ENEM e está trabalhando numa loja de tecidos. A renda baixou muito, mas não tinha como continuar depois que acordou. Nada mais baixou, conseguia ver que enganava, quebrou a confiança. Ainda não despachou tudo, mas retirou o letreiro da vista do rio. Não era nem caso de psiquiatra não, tá vendo?, disse.

Quanto ao amigo, ele nunca mais pensou em desmascarar a amiga. Ele estava, justamente, trabalhando o fato de estar começando a se sentir mais conectado a algum tipo de energia. Mas tudo é energia, não? Somo matéria e matéria troca energia com o ambiente. Será que eu sou médium?, perguntava. Será que eu tirei Clara do caminho, da religião, doutor?


Rodrigo Slama, 18/11/2022


Para mais textos ácidos, leia Pastor e Outras Histórias

*Imagem do Google

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