Casa de Tranca-Rua. Cartomante. Mãe Clara de Oyá.
Tinha sempre consulta. Tinha
vezes em que nem desvirava para almoçar, diziam. Duvido. Duvido de tudo e fui
ver, disse. Passei uns dias indo. A leitura das cartas não me pegaria como pegou
Camilo. Não! Eu não me deixaria me envolver pelas palavras, promessas, amores e
fama de lá. Mas voltei. Voltei em outros horários e forcei uma amizade. Nossa,
fazia tempo que eu não conhecia gente nova, ela agradecia por ter alguém pra falar
de macho, passear... essas coisas.
– Bicha, faz tanto tempo que não
saio numa sexta ou num sábado.
– Bora, mulher. Bora tirar um dia
de folga.
– Tenho compromisso com Dona
Maria Padilha.
– Você tem é boleto, né, mulher?
– Como é?
– Nada não – disse se fazendo de besta.
O tempo passou, não disse o
quanto. A gente foi ficando amigo. Ela um tempão chamando que queria ir pro samba
no Beco da Lama. Mas já disse que não posso, que tenho psicólogo. Faz meses que
tento trocar de horário, mas esse é o único. Enquanto eu fazia análise, Clara
dava consulta. E eu justamente discuti isso naquela sessão. Já fazia meses que
eu era ‘amigo’ daquela cartomante que eu já estava com pena da mulher. Ela não
era má, era apenas meio doida, acreditando na própria mentira. De qualquer
maneira, eu não queria lá e desmascarar a charlatã, só queria que ela suprisse
suas carências de outras maneiras.
– Mãe Clara, olha só. Tava
pensando aqui. Meu psicólogo tem um amigo pra indicar que também tem horário na
quinta. Você num tava querendo deixar de atender na quinta de noite?
– É, mas eu quero parar da dar
consulta pra ir pro samba, pro funk...
– Ah, mas então vá sozinha.
– Você sabe que não vou sem você.
– Então faz assim. Faz duas sessões
de terapia e eu perco uma minha pra sair contigo.
– Num preciso de psicólogo!
– Tá, mas eu preciso, mulher.
Riram e marcaram as consultas.
Foram ao Beco na terceira semana, mas ela tinha gostado da análise e retornou para
um longo ciclo. Agora ela faz cursinho para o ENEM e está trabalhando numa loja
de tecidos. A renda baixou muito, mas não tinha como continuar depois que
acordou. Nada mais baixou, conseguia ver que enganava, quebrou a confiança.
Ainda não despachou tudo, mas retirou o letreiro da vista do rio. Não era nem
caso de psiquiatra não, tá vendo?, disse.
Quanto ao amigo, ele nunca mais
pensou em desmascarar a amiga. Ele estava, justamente, trabalhando o fato de
estar começando a se sentir mais conectado a algum tipo de energia. Mas tudo é
energia, não? Somo matéria e matéria troca energia com o ambiente. Será que eu
sou médium?, perguntava. Será que eu tirei Clara do caminho, da religião,
doutor?
Rodrigo Slama, 18/11/2022
Para mais textos ácidos, leia Pastor e Outras Histórias
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