– Irmãos, vamos orar pelo novo presidente. Deus escreve certo por
linhas tortas. Tudo o que acontece é por vontade divina, amém?
– Amém! – disse a igreja em coro.
– Pastor?
– Sim, irmão. Diga a sua dúvida porque hoje Deus está falando comigo
mais do que o normal, amém, igreja?
– Amém!
– Pastor, o senhor me desculpe, mas a gente fez setenta e sete dias de
jejum pra reeleger o mito e agora a gente vai rezar pro nove dedos?
– Sim, irmão! – disse firmemente o pastor para espanto dos cochichos que
ratificavam a razão do irmão.
– Por quê?
– Olha só, irmão. Você está duvidando da vontade de Deus?
– Claro que não, pastor. Mas a gente agora vai ter que orar pra
bandido?
Cochichos e mais cochichos se espalharam pelo salão. A igreja estava
quase cheia, exceto por alguns membros que foram pedir ajuda dos militares nas ruas
da cidade. O pastor não concordava com isso... A igreja tem fazenda, vende
muita coisa... tem lavanderia também... muito investimento. Tudo para ajudar na
obra do senhor, segundo.
– Nos tempos de Cristo, a população também escolheu Barrabás. O povo é
assim. Gosta de bandido.
– Sim, e nós vamos ter que aturar isso orando? A gente devia ir pro
quartel junto com os outros irmãos!
A igreja não sabia a quem apoiar.
O irmão estava certo para eles, errados, mas o pastor era o pastor. Apesar de
errado, era pastor. Mas é aquilo, né? É demais esperar coerência de
neopentecostal. É sacanagem com o gado, eles bugam!
– A gente vai orar para que ele não feche nossas igrejas e não transforme
os banheiros das escolas em lugar de pedofilia, amém? A gente vai continuar
lutando contra o inimigo. O Diabo só está preso até hoje porque a gente ora
para ele fique preso, amém?
– Amém, pastor! Tá amarrado, em nome de Jesus.
– Eu não aceito orar para aquele ladrão. Eu quero que as forças armadas
botem os tanques nas ruas e mate ele, amém.
– Amém! – disse a igreja, sem refletir.
– Se ele morrer, quem assume é Alckmin, não ajuda em nada e o tinhoso
ainda vira herói e a petralhada nunca mais sai do poder.
– Tá amarrado! Tá repreendido!
– Pastor, eu não vou ficar aqui orando por Luladrão não, eu vou pra rua
lutar pela nossa liberdade, por Deus e pela família!
– Eu também vou! – gritou um adolescente que estava com a camisa da CBF
por debaixo do terno barato.
– Virou rebelião agora? Isso é coisa de comunista! – gritou o pastor
quase perplexo.
– Tá amarrado!
Sem que precisasse mandar, os demais irmãos cercaram o irmão rebelde,
estiraram as mãos e começaram a bater os pés direitos fortemente contra o chão
enquanto gritavam palavras de ordem na intenção de expulsar um demônio. Não
existia demônio algum naquele corpo desalmado. Porém, maluco, é que o cara
ficou puto, e com certa razão. O próprio pastor dele e os irmãos ali rezando contra
ele e a favor do Lula, na sua cabeça. Emputeceu-se. Saiu da igreja, entrou na
sua caminhonete importada e arrebentou o portão da frente acertando três irmãs
e uma estátua – pois é! – de Abraão que tinha na entrada do templo... rasgou
até a bandeira de Israel que envolvia a escultura.
Entre os membros da igreja tinha de toda gente. Dois policiais que
estavam no culto armados contiveram o irmão, que gritou: – Fariseus! Patriotas
de ocasião! Vocês estão virando as costas para o mito, para Deus, para a liberdade
e para a família!
As palavras pareceram pesar. Desde a unificação da Itália é assim. O fascio
é inquebrável, mas combatível. Parte da
igreja pediu misericórdia. O pastor mandou soltar o irmão. Rapidamente, chegou
uma ambulância para os feridos. Ninguém prestou queixa. Hoje não tem culto. O pastor
liberou os irmãos para irem para a porta do quartel, mas tá passando lá pra
levar a palavra, rezar pra muro e pneu e pegar as doações, afinal, agora que Lula tá podendo fechar
igreja, as doações são ainda mais importantes. O dízimo já tinha sido ajustado
pra 22% desde agosto. Todos concordaram. Quem não pode pagar tá indo mais vezes
a igreja para fazer uma faxina, preparar uma comida gostosa pros obreiros ou
emprestar uma menina bonita pro pastor.
Rodrigo Slama 16/11/22
*Imagem do Google
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