Estávamos em casa. Não tinha nada lá que
pudesse nos identificar como subversivos.
Pelo bem da minha família, tinha feito a barba
já há algum tempo, queimado todas as camisas vermelhas e enterrado os livros
proibidos. Mas nos entregaram. Não sei quem... nem o culpo. Decerto, a dor que
sentiu antes do arrependimento, infelizmente, foi tão grande quanto a minha.
Eu era fiscal de produção de uma fábrica de
roupas; Tereza, minha mulher, professora de francês.
Nos conhecemos numa sorveteria. Achei que seria
um sonho poder namorar com uma moça estudada. Logo eu, de família pobre, um
peão sem eira nem beira, estava apaixonado por uma mulher linda, inteligente, de
classe média.
Namoramos por um tempo. Casamos e tivemos uma
filha. Vivíamos uma vida tranquila.
Durante as aulas, Tereza aproveitava para ir
além do ensino do outro idioma, fazia com que os alunos, durante as
conversações, tentassem pensar um pouco fora da caixinha... todos eram de
família rica... Quem é que podia pagar por aulas de francês naqueles tempos?
Lá na fábrica, a gente também
tentava ir além do aperto dos parafusos e da checagem das máquinas. Queríamos
melhores condições de trabalho. Fazíamos reuniões, levávamos propostas aos
patrões... Tudo mudou.
O golpe veio. Veio a desesperança.
Nossos dias viraram uma noite eterna. Muitos amigos foram presos ou
simplesmente sumiam... Quando algum aparecia, caso raro, era sempre muito
machucado. Machucado por fora e por dentro da cabeça.
Era uma tarde chuvosa de maio. Eles
entraram na minha casa me chamando de comunista. Levaram Tereza também... A
nossa filha teve que ficar com uma vizinha, que não entendeu nada do que estava
acontecendo, mas não podia se intrometer naquela situação.
Fomos separados. Me interrogaram e
foram aplicando força gradativamente ao passo que eu não falava nada. Me
despiram. Me afogaram. Me deram choques. Mesmo assim eu me negava a dizer
qualquer coisa que prejudicasse a mim, minha família ou meus companheiros.
Foram três anos na preso. Durante
uma das torturas, pesaram a mão e perfuraram um dos meus rins. Por sorte ou azar,
passei o tempo da recuperação sem receber tanto castigo. A infecção que quase
me matou me torturava e poupava o fôlego dos meus algozes.
Mas teve uma noite, já quase recuperado, que eu sofri a maior violação que alguém poderia sofrer. Fazia um ano e meio que
não via Tereza. Trouxeram ela para ser estuprada e torturada da minha frente.
Me estupraram também. Minha esposa estava muito magra e machucada. Cada golpe
que ela levava, um pedaço da minha alma castigada era arrancado.
Tereza morreu naquela noite. Minha
mulher, minha companheira morreu na minha frente. Foi abusada de todas as
formas possíveis. Enquanto eu tive a vida poupada por castigo, via o Coronel
rindo e cuspindo sobre o corpo frio de Tereza.
Rodrigo
Slama 25/05/2020