Oito anos, uma faca e uma vontade de chupar cana.
Sem permissão, invadi o quintal do vizinho para roubar um pouco do bambu doce
que seria a sobremesa de uma janta que não tão agradável. Naquele escuro
terreno do interior paulista, segurei meu medo e deixei a vontade de consumir
algo engordativo tomar conta dos seus instintos. Sentia um pouco de medo, mas a
vontade de me lambuzar de cana era maior... Nenhum mal poderia acontecer,
certo? Ledo engano.
Uma criatura demoniosa sai apavorante da terra
quando eu estava levantando a faca favorita da minha mãe para desferir o
primeiro golpe na minha sobremesa. Quando vi aquele ser das trevas, fiquei sem ter
como gritar, sem quase respirar... Pavor, muito pavor. Aquele bicho parecia um
bode com rabo de cobra, chifres pontudos e uma aura maligna que me fez esquecer
de mim mesmo. Estava convencido de que não iria dormir na minha cama, mas numa
cama de pregos em cima de um braseiro no inferno.
As chamas do inferno iriam consumir a minha carne
magra, os meus olhos seriam arrancados pelas unhas cheias de bactérias
demoníacas que me presenteariam com uma infecção terrível que tiraria toda a
pele do corpo e comeria o tutano dos meus ossos sem deixar nenhum vestígio de
humanidade em meu corpo, que só teria um coração para que eu pudesse lembrar
de que não poderia invadir o terreno alheio para roubar cana-de-açúcar.
Sorte que minhas pernas não entenderam o perigo e
correram, correram como nunca correram e nunca correriam novamente. Naquele
momento, a minha preocupação se dividia entre as pernas, o demônio do canavial
e os pulmões que começavam a falhar. Eu não conseguia respirar, e ainda faltava
um bom pedaço de chão para percorrer... Cheguei, enfim, em casa com os olhos
mais esbugalhados do que um japonês telescópio, agradeci a Deus em pensamento
por encontrar a minha mãe lavando a louça do jantar. Lhe contei o que tinha
acontecido, que vi um demônio que me levaria para morar no inferno. Apavorado,
ouvi da minha mãe: – Cadê a faca? Vá já buscar, Silvo Luís!