O Beco da Luz era um atalho no centro da cidade.
Entretanto, ao contrário do que o nome sugere, é escuro durante todo o dia.
Isso porque as lâmpadas eram constantemente quebradas e as construções em
volta, os prédios muito colados, impediam que a luz penetrasse naqueles 170
metros de umidade, sujeira e depressão.
Mas eu não tinha saída. Nunca andava pelo Beco da Luz.
A aula tinha acabado tarde, eu não poderia me dar ao luxo de percorrer cinco
quarteirões para pegar o último ônibus. Sei que não é bom alguém andar sozinho
num lugar ermo, como aquele – eu pedia muito a Deus que estivesse ermo – ainda
mais sendo mulher. Eu não tinha saída. Tinha que passar pelo Beco da Luz.
Peguei o meu terço na bolsa. Andava o mais rápido possível
para não correr. Eu já tinha passado por lá antes, mas durante o dia e
acompanhada por alguns colegas da faculdade. Sabia que não seria uma
experiência agradável, muito menos passaria rápido como da vez que estava
acompanhada... mas seria rápido no relógio, isso que importava naquele momento.
Eu andava rápido e rezava tão depressa quanto as
batidas do meu coração permitiam. Quase no meio, me aparece, repentinamente, um
ser esguio, estranho, quase da minha altura com o rosto encoberto pelas sombras.
Gelei. Não sabia o que fazer... não podia ser deste mundo, era uma criatura que
parecia uma criança nua, sem sexo, com unhas enormes, com pés assustadoramente
estranhos e uma aura que quase me fez arrancar as contas do terço com os
calafrios.
Não consegui gritar e nem sabia se um grito me
colocaria em maior apuro. Ela arrodeou o meu corpo e, com a pouca luz que por
ali se perdia, consegui ver que não tinha rosto, não tinha a pele do rosto,
mas uma face mutilada, cadavérica, digna de uma criatura que tinha acabado de
fugir do inferno. Era isso, só poderia ser isso... era um demônio, um enviado
de Satanás para me atormentar, para me levar para o inferno.
A criatura ficou me encarando, tentou ficar ereta
em minha frente. Eu já me esquecia do terço, eu já me esquecia de Deus, eu já
esquecia de mim mesma... só me concentrava naquele olhar sem olhos, naquela
rosto sem face, naqueles pés demoníacos, naquelas mãos com garras prontas a me
agarrar e naquela mandíbula cheia de dentes para arrancar toda a minha carne
magra de meus ossos que tremiam geladamente.
Não me agarrou, não me devorou... só me encarou. Corri.