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sábado, 18 de dezembro de 2021

Jesus Pistola - a (re)volta de Cristo

 




Mais um ano eterno se passando e Jesus tava pistola no céu. Puto, puto. Cansava de gritar reclamando da burrice humana. Burrice de quem demorou pra escrever suas palavras, burrice de quem interpreta suas palavras e a burrice ambiciosa de quem ensina suas palavras.

Era culto de Natal, seu aniversário, claro, num país de maioria cristã. Um estádio cheio em plena pandemia. Miguel, Gabriel, todo mundo lá que podia chegar perto dele não conseguiu impedir a fúria de um homem que foi conhecido por amar até seus assassinos. A situação tava demais pro Jesus, que já não era menino, suportar.

– Bora parar a palhaçada aí que eu tô puto! – disse Jesus, sem nem esperar a nuvem estacionar direito.

– Quem é você? – indagou nervoso o pastor vendo cada vez mais anjo se aproximando.

– Quem sou eu? Não é você mesmo quem passou a vida dizendo que era meu escolhido? – nada podia deixar Jesus mais estressado do que essa pergunta a essa hora.

– Jesus? Meu senhor! Veio nos arrebatar?

– Meu senhor uma porra! Arrebatar vocês? Eu quero é comer vocês na porrada!

A comunidade toda ouvia em alto e bom som o que Jesus dizia. Com sangue nos olhos e ódio no coração, ele discursava...

– Olha. Eu fico impressionado com esta nação, que é uma das mais ricas do mundo sim, mas não é a melhor! Tá todo mundo aí enfeitando árvore, botando luz piscante em casa, fazendo boneco de neve – tem gente que faz mesmo sem ter neve – e os caralho e vai dormir em paz porque ajudou com migalhas a fome de alguém! Eu falei pra vocês se amarem, pra vocês compartilharem o peixe e o pão... o que vocês fazem? Estocam vacina, fazem guerra, têm pena de morte legal e ilegal. Vocês andam todos armados e ninguém mais lê ou faz o que eu preguei. Ainda vêm dizer que são meus seguidores. Eu tô cansado!

– Meu senhor, nem todo mundo é assim!

– Quem é você com toda essa petulância pra querer saber mais do que quem é onisciente, alma sebosa?

Nesse momento, um monte já tinha desmaiado, outros choravam, outros tremiam e outros fugiam.

– Eu mandei vocês matarem em meu nome? Eu mandei vocês controlarem o livre-arbítrio das outras pessoas em meu nome? Eu mandei vocês gastarem mais com arma, foguete e carro elétrico do que ajudando os famintos, bando de escroto? Eu mandei vocês desmatarem as porras das florestas todas e acumularem riqueza, seus arrombados?

– Meu senhor Jesus, nos perdoe! O senhor tem bom coração!

– Mais um cavalo querendo me dizer o que tenho e o que não tenho – dizia com cada vez mais ódio no olhar. – Vou  resolver isso com um milagre que já fiz, mas um pouco diferente. Vou fazer o milagre a multiplicação, mas das balas.

Assim que terminou a fala, dois fuzis se materializaram em suas mãos. Rindo satisfatoriamente, Jesus ativou as armas de munições mágicas que acertavam a cabeça ou os corações dos hipócritas em todo o mundo. Gente de todo lugar teve a cabeça arrebentada, o coração perfurado. Muita gente morreu. Passado algum tempo – nada pra ele, mas muita coisa pra quem tá achando que vai morrer –, Jesus fez as armas desaparecerem. Seu ódio tinha sumido também. Lavado pelo sangue dos pecadores desarrependidos.

– Caros filhos – disse falando com todo mundo do mundo... todo mundo o via também. – Eu dei a vida por vocês dois mil anos atrás, mas vocês não souberam aproveitar este presente. Neste meu mais um aniversário, quem ganha o presente sou eu. Espero que vocês, sobreviventes, aproveitem mais esta dádiva que lhes dou. Aproveitem o mundo sem fascistas pra viverem seu paraíso. Vou deixar os corpos dos hipócritas aí pra vocês lembrarem de que é amando o próximo que se ganha a vida eterna. Feliz Natal.

 

Rodrigo Slama 18/12/21

*Imagem do Google

sábado, 11 de dezembro de 2021

Estrato lúcido

 


Não dissimula a pele quando afagada em êxtase. Feromônios, sabonete de aveia, vai saber? Nos pulmões, o cheiro fazia casa. Inundava, zeloso, a vontade de ficar para sempre grudado, como almas amaldiçoadas ao inferno. Fazer o que quando quereres, apesar dos aromas, são limitados? 

                De tanto que gostava de sua pele, elogiava. Ela, tentada, se convencia da finitude, mas mostrava impavidez. Teve ideia. Engordaria, sem trabalho. Cheesecake e coquinha, aumentava sua doce superfície matando dois vícios: a gula e a responsabilidade. Engrandeceu seu exterior acima do coração.

                Anestesia. Corte. Cirurgia. Sem túnel de luz, tudo foi mal e terminou bem. Lipo. Limpa. Saía esculturalmente moldada. Esculpida por Apolo em carrara. Do que sobrou, no entanto, não deixou que destruíssem. Artesã melhor que ela não havia. Costurou seu couro. Linda boneca fazia. Linda e sem vida, sem emoção alguma que alguém conhecesse.

                Inerte, imóvel e invivída. Mulher tal como é era entregue. De que vale o cheiro, no entanto, sem a alma? De que valem as almas, então, sem cheiro? Sabe lá!? O que não dissimula em pele não responde à realidade.  Fazer o que quando quereres, apesar dos aromas, são limitados? Que fazer?

 

Rodrigo Slama, 11/12/21

*Imagem do Google