Mais um ano eterno se passando
e Jesus tava pistola no céu. Puto, puto. Cansava de gritar reclamando da burrice
humana. Burrice de quem demorou pra escrever suas palavras, burrice de quem
interpreta suas palavras e a burrice ambiciosa de quem ensina suas palavras.
Era culto de Natal, seu aniversário,
claro, num país de maioria cristã. Um estádio cheio em plena pandemia. Miguel,
Gabriel, todo mundo lá que podia chegar perto dele não conseguiu impedir a fúria
de um homem que foi conhecido por amar até seus assassinos. A situação tava
demais pro Jesus, que já não era menino, suportar.
– Bora parar a palhaçada aí
que eu tô puto! – disse Jesus, sem nem esperar a nuvem estacionar direito.
– Quem é você? – indagou nervoso
o pastor vendo cada vez mais anjo se aproximando.
– Quem sou eu? Não é você
mesmo quem passou a vida dizendo que era meu escolhido? – nada podia deixar
Jesus mais estressado do que essa pergunta a essa hora.
– Jesus? Meu senhor! Veio nos
arrebatar?
– Meu senhor uma porra!
Arrebatar vocês? Eu quero é comer vocês na porrada!
A comunidade toda ouvia em
alto e bom som o que Jesus dizia. Com sangue nos olhos e ódio no coração, ele
discursava...
– Olha. Eu fico impressionado
com esta nação, que é uma das mais ricas do mundo sim, mas não é a melhor! Tá
todo mundo aí enfeitando árvore, botando luz piscante em casa, fazendo boneco
de neve – tem gente que faz mesmo sem ter neve – e os caralho e vai dormir em paz
porque ajudou com migalhas a fome de alguém! Eu falei pra vocês se amarem, pra
vocês compartilharem o peixe e o pão... o que vocês fazem? Estocam vacina,
fazem guerra, têm pena de morte legal e ilegal. Vocês andam todos armados e
ninguém mais lê ou faz o que eu preguei. Ainda vêm dizer que são meus
seguidores. Eu tô cansado!
– Meu senhor, nem todo mundo é
assim!
– Quem é você com toda essa
petulância pra querer saber mais do que quem é onisciente, alma sebosa?
Nesse momento, um monte já
tinha desmaiado, outros choravam, outros tremiam e outros fugiam.
– Eu mandei vocês matarem em
meu nome? Eu mandei vocês controlarem o livre-arbítrio das outras pessoas em
meu nome? Eu mandei vocês gastarem mais com arma, foguete e carro elétrico do
que ajudando os famintos, bando de escroto? Eu mandei vocês desmatarem as porras
das florestas todas e acumularem riqueza, seus arrombados?
– Meu senhor Jesus, nos
perdoe! O senhor tem bom coração!
– Mais um cavalo querendo me
dizer o que tenho e o que não tenho – dizia com cada vez mais ódio no olhar. – Vou resolver isso com um milagre que já fiz, mas um pouco diferente. Vou fazer
o milagre a multiplicação, mas das balas.
Assim que terminou a fala, dois
fuzis se materializaram em suas mãos. Rindo satisfatoriamente, Jesus ativou as
armas de munições mágicas que acertavam a cabeça ou os corações dos hipócritas
em todo o mundo. Gente de todo lugar teve a cabeça arrebentada, o coração perfurado.
Muita gente morreu. Passado algum tempo – nada pra ele, mas muita coisa pra
quem tá achando que vai morrer –, Jesus fez as armas desaparecerem. Seu ódio
tinha sumido também. Lavado pelo sangue dos pecadores desarrependidos.
– Caros filhos – disse falando
com todo mundo do mundo... todo mundo o via também. – Eu dei a vida por vocês
dois mil anos atrás, mas vocês não souberam aproveitar este presente. Neste meu
mais um aniversário, quem ganha o presente sou eu. Espero que vocês, sobreviventes,
aproveitem mais esta dádiva que lhes dou. Aproveitem o mundo sem fascistas pra
viverem seu paraíso. Vou deixar os corpos dos hipócritas aí pra vocês lembrarem
de que é amando o próximo que se ganha a vida eterna. Feliz Natal.
Rodrigo Slama 18/12/21
*Imagem do Google