Tia Alcinéia foi a minha
professora da alfabetização. Terminei o mestrado há pouco tempo e confesso que
não me lembro de alguns professores. Mas de Tia Alcinéia, que me ensinou a
codificar e decodificar o português há vinte anos, eu me lembro. Lembro muito
bem, infelizmente.
Tia Alcinéia era baixinha, gorda,
calva, com alguns dentes faltando e com os que sobravam meio podres. Ela era,
como deveria ser toda alfabetizadora da época, extremamente tradicional. Tão
tradicional que hoje eu conto os castigos que ela me passava aos meus alunos e
eles não acreditam, acham que é coisa de desenho da Fox. Eu repetia, sempre que
fazia algo errado, duzentas vezes na folha de ofício “Não devo fazer x coisa”.
Não me lembro o que aprontava, não me lembro o que escrevia, mas lembro das
lágrimas molhando o papel branco que o lápis fatalmente furava e eu tinha que
passar tudo a limpo.
Tia Alcinéia me marcou... Certa
vez, vendo tevê com minha mãe, apareceu uma mulher com este nome. Eu gelei. Já
adulto. Gelei. – Lembra de Tia Alcinéia, Rodrigo? Que tomava seu refrigerante? – disse minha mãe. Não só me lembro como até hoje eu
agradeço a quem seja lá que foi que me ensinou a abrir uma lata.
Tia
Alcinéia era quem abria meu refrigerante. Os meus dedos, tadinhos, eram
pequenos, eu não conseguia abrir a latinha. Tinha que pedir para a única pessoa
com dedos fortes da turma: a professora. O problema é que, além de dedos
fortes, ela tinha dentes podres e faltando, e ainda tinha um péssimo hábito: o
de dar o primeiro gole.
–
Tia Alcinéia está tomando meu refrigerante! – contei pra minha mãe. Ela foi lá,
claro, reclamar... aprendi a reclamar com a minha mãe. Não sei se Tia Alcinéia
ouviu o pedido ou simplesmente pararam de me mandar latas de refrigerante, mas
de uma coisa eu sei e não esqueço. Este nome e uma saudade: Tia Alcinéia.