Era um cego na praça. Ele vendia quadros lindos
pintados a óleo. Quadros que retratavam paisagens magníficas, cenas de família.
Um cachorro que se parecia muito com o animal que deitava ao seu lado, um cão
velho, sujo e com uma ferida na orelha com muitos bichos.
– Quanto estão os quadros? – perguntei.
– Depende, meu filho. O quadro do cachorro sob a
sombra da tarde está cinquenta reais. O quadro do senhor sorridente abraçando o
seu filho que chora pela perda do dente custa setenta reais. Os preços variam.
Você se interessou por algum?
– Sim – fiquei curioso pra saber como ele sentia ao
descrever uma cena que nunca viu. – Gostei do quadro da senhora lendo.
– Foi? O que te chamou a atenção neste quadro?
– Não sei... achei a senhora simpática. Não entendo
muito de pintura – disse.
– Olhe bem para o seu sorriso. É um sorriso
simétrico, dificilmente alguém sorri assim. Cada lado de um ser humano é
diferente do outro... você tem uma orelha maior que a outra, um olho mais caído
que o outro, pode ter milímetros a mais
numa perna ou braço – o cego disse virado para o nada. E continuou: – O livro
que ela segura não é qualquer livro, é um livro de histórias infantis. Perceba
como as extremidades do livro estão gastas, como se ele fosse lido inúmeras
vezes durante a sua vida. A cadeira de balanço a qual a senhora está sentada também
não é uma cadeira comum... é uma cadeira de amamentação. Todos pensam que são
iguais, mas as linhas de uma cadeira de amamentação e uma cadeira de balanço
são diferentes. A cadeira de amamentação é um pouco mais leve de se olhar.
Fiquei espantado com
os detalhes da descrição. Não contive a curiosidade e perguntei:
– Como o senhor,
sendo cego, sabe tão bem sobre os quadros que está vendendo? O senhor é cego
mesmo.
– Gostaria muito de
ser um charlatão, mas, infelizmente, sou cego. Sei sobre os quadros porque fui
eu mesmo que pintei.
Fiquei sem reação. Perguntei o preço
do quadro da senhora. Ele disse que custava oitenta reais. Eu não tinha esse
dinheiro. Fui embora.