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sexta-feira, 3 de outubro de 2014

O cego na praça



Era um cego na praça. Ele vendia quadros lindos pintados a óleo. Quadros que retratavam paisagens magníficas, cenas de família. Um cachorro que se parecia muito com o animal que deitava ao seu lado, um cão velho, sujo e com uma ferida na orelha com muitos bichos.
– Quanto estão os quadros? – perguntei.
– Depende, meu filho. O quadro do cachorro sob a sombra da tarde está cinquenta reais. O quadro do senhor sorridente abraçando o seu filho que chora pela perda do dente custa setenta reais. Os preços variam. Você se interessou por algum?
– Sim – fiquei curioso pra saber como ele sentia ao descrever uma cena que nunca viu. – Gostei do quadro da senhora lendo.
– Foi? O que te chamou a atenção neste quadro?
– Não sei... achei a senhora simpática. Não entendo muito de pintura – disse.
– Olhe bem para o seu sorriso. É um sorriso simétrico, dificilmente alguém sorri assim. Cada lado de um ser humano é diferente do outro... você tem uma orelha maior que a outra, um olho mais caído que o outro, pode ter milímetros  a mais numa perna ou braço – o cego disse virado para o nada. E continuou: – O livro que ela segura não é qualquer livro, é um livro de histórias infantis. Perceba como as extremidades do livro estão gastas, como se ele fosse lido inúmeras vezes durante a sua vida. A cadeira de balanço a qual a senhora está sentada também não é uma cadeira comum... é uma cadeira de amamentação. Todos pensam que são iguais, mas as linhas de uma cadeira de amamentação e uma cadeira de balanço são diferentes. A cadeira de amamentação é um pouco mais leve de se olhar.
            Fiquei espantado com os detalhes da descrição. Não contive a curiosidade e perguntei:
            – Como o senhor, sendo cego, sabe tão bem sobre os quadros que está vendendo? O senhor é cego mesmo.
            – Gostaria muito de ser um charlatão, mas, infelizmente, sou cego. Sei sobre os quadros porque fui eu mesmo que pintei.
            Fiquei sem reação. Perguntei o preço do quadro da senhora. Ele disse que custava oitenta reais. Eu não tinha esse dinheiro. Fui embora.