Estava cada vez mais difícil controlar os velhinhos. Se dessem mais drogas,
não acordariam. Era a colônia dos velhos sisudos. A grande maioria era homem,
todos ali não sabiam amar. E já faziam hora extra. Já estavam esquecidos,
definhando, enteiando. Evidentemente, algo tinha que ser feito.
Chamaram uma nova fisioterapeuta. Garota vanguardista. Analisou a
clientela, em corpo e lisura. Sabia que seria difícil, porém aceitou. Seria sua
primeira experiência registrada... era recém-formada, nem sabe ao certo como
foi chamada para uma entrevista... Começava o período de experiência e deveria conquistar
aqueles velhos carrancudos.
Na primeira semana, tudo ótimo. Moça bonita, simpática. Mas logo
enjoaram. Ninguém tentou mais impressionar a profissional levantando um halter
de meio quilo. Teve que bolar um plano. Eles, apesar dos oitenta médios, eram
apenas meninos. Jogos iriam ajudar. Deu certo. Até demais.
Brincadeiras, à primeira vista bobas, revelavam-se uma potente
ferramenta para o desenferrujar das velhas juntas. Logo logo, na gana do jubiloso
triunfo, competiam e declaravam o campeão do dia. Durou mais duas semanas
assim, enjoaram. Depois que todo mundo já tinha ganhado ou perdido, o tédio
voltou a abraçar os longevos. A fisio teve uma ideia.
– Quem for o vencedor da semana vai ganhar um cigarro!
– Cigarro?
– Pigarro?
– Que finado?
– Cigarro mesmo?
– Opa! Agora eu jogo...
– É... vocês num falaram que tinham vontade de fumar de novo? Que agora
não faz sentido cuidar da saúde, etc? Então... vou dar um cigarro pra quem for
o vencedor da semana. Daí vocês voltam a se esforçar.
– É uma carteira de cigarro?
– Claro que não. Apenas um cigarro?
– Um cigarro?
– Que catarro?
– Quem fuma só um cigarro?
– Então, não trago nada.
– Uma carteira, vai. A gente divide.
– É, a gente divide!
– Carta pra mim?
– Mas eu não posso entrar aqui com uma carteira de cigarros para vocês.
Se alguém pega vocês fumando...
– Não vão pegar.
– Quem tá cantando?
– Vão pegar não, doutora.
– Doutora, você traz o cigarro, a gente brinca e cuida da carteira.
– Pois é.
– Ah, bom... agora eu vou jogar.
Segunda-feira, chega a fisioterapeuta com mais jogos. Os velhinhos se
animaram... no final do dia, perguntaram do prêmio.
– Calma! Na sexta-feira a gente vai saber quem é o campeão.
– Mas a senhora vai dar o cigarro, doutora?
– Opa, também quero.
– Maria?
Sem prometer nem acabar com a esperança, seguiu com os exercícios. Não se
lembravam de quando estiveram mais empolgados, os moradores do asilo. Tudo por
conta de uma carteira de cigarros. E ela veio. Seu Eugênio foi o campeão.
Recebeu o contrabando e dividiu com todos que queriam. Cada um cuidaria de não
ser pego e racionaria até a próxima semana, quando Seu Alberto seria o campeão
e também dividiria, como dividiu Dona Aurora na semana seguinte e na outra,
pois ganhou novamente.
Semana após semana, os velhinhos faziam todos os exercícios propostos.
Nunca estiveram tão felizes! Claro que perceberam o boró rolando, mas os
benefícios, àquela altura da vida, eram, por incrível que pareça, melhores. O
cigarro virou o motivo de alegria até para os velhinhos que nunca tinham fumado
antes. Por sorte, outra parte do corpo pararia de funcionar antes da fumaça
atacar os pulmões.
– Alguém chama a polícia!
– Ajuda, por favor!
– Quem pegou o cigarro?
– Maria! Maria!
A confusão foi generalizada. Seu Osvaldo, o campeão da semana, ao contrário
dos colegas, disse que não dividiria os cigarros. Àquela altura, já haviam
criado uma microeconomia local e, como em qualquer cadeia, os cigarros passaram
a ser uma moeda valorizadíssima. E o que era brincadeira virou coisa séria. Não
deu polícia porque idoso morrer em asilo de queda é a coisa mais comum do
mundo. Foi a queda mesmo que vitimou o infeliz egoísta, mas ninguém fala que foi
Dona Nair, munida de sua cadeira elétrica, quem, dolosamente, levou o Osvaldo
ao chão. Azarado Oswaldo, nem teve sorte de cair sem bater a cabeça num grande
vaso de barro cheio de babosas.
Rodrigo Slama 09/06/2023
*Imagem do Google
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