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quinta-feira, 26 de maio de 2022

Pastor 07 – Ocupação da Assembleia?

 


            Pré-campanha. A pandemia arrefeceu. Parece que a mostarda tinha conseguido salvar a maior parte dos fiéis do pastor. Um ou outro rebelde tinha saído, mas, agora, a igreja já estava cheia novamente. Quanto mais a barriga da população esvazia, mais a igreja é lembrada.

 Felizmente para o Pastor, muitos jovens estavam frequentando o sábado da mocidade. A estratégia de distribuir vinho ungido (uma parte de suco de uva, uma parte de água de torneira e uma parte de vinho barato) e deixar os adolescentes livres para utilizarem os instrumentos musicais parece ter funcionado. Agora, no entanto, a conta precisava ser paga.

– Gente, o pastor chegou. Muda a música pra um hino!

– Olá, mocidade. A paz, Amém!

– Amém, pastor! – disse a juventude em coro.

Um jovem obreiro, responsável pela da dispensa durante o culto jovem, foi convencido pelos outros a deixar o vinho ungido mais forte. Ora, se Jesus abençoou o vinho, por que eles deveriam diluí-lo bastante em água e suco de uva, certo?

– Irmãos, precisamos ter uma conversa. Eu vim aqui conversar com vocês sobre as eleições, amém?

– Amém, pastor.

– É o seguinte. Precisamos de todas as forças de Jesus para mantermos nosso presidente no poder. Os comunistas satanistas estão voltando. Lula, o anticristo, já está afrente do Capitão de Cristo. Mas eu tenho certeza em Cristo que todas essas pesquisas são compradas... Aqui no estado a sapatona também está na frente pro governo. Mentira também, mas precisamos nos unir para ocupar os cargos políticos em cristo, Amém.

– Amém, pastor.

– Hoje, mocidade. Eu recebi um chamado de Deus. Em sonho, Cristo me disse que precisava me usar para que sua obra na Terra fosse protegida e multiplicada. Jesus me escolheu pra ser Deputado. Amém?

– Amém, pastor. – disse a mocidade meio sem muita expectativa.

– Pastor? – levantou um jovem irmão do fundo da roda... ele tinha um violão na mão e usava uma camisa preta desbotada.

– Sim, irmãozinho. Qual a sua inquietude? Vejo que você é novo no grupo de jovens... Não sei se você sabe, mas Deus me deu o dom da palavra! Encontrarei a palavra certa para lhe consolar, Amém?

– Ah... Amém?! Então, o senhor vai se candidatar a Deputado Federal ou Estadual?

– Deputado Estadual pelo partido do presidente, amém? Vejo que o jovem irmão já está empolgado com a nossa jornada, certo?

– Não, pastor. Eu só não consigo entender qual a relação entre uma candidatura a Deputado Estadual e a defesa da obra de Deus na Terra.

– Ah, irmãozinho. Sabe o que mais Cristo me disse no encontro comigo? Que eu teria muitos percalços pelo caminho, que eu seria muito alvo do inimigo. Não achei que já ia começar logo cedo. Mas vamos lá, Amém? É o seguinte, o nosso presidente, presente de Deus, precisa de todo apoio. Houve muita reunião com os bispos e lideranças evangélicas e chegamos à conclusão que seria bom ocupar todos os espaços em o nome do senhor Jesus, Amém, mocidade.

– Amém! – a mocidade, já perdendo o brio alcoólico, respondeu num coro desensaiado.

– Mas, pastor. O Estado precisa ser separado da religião. Não acho certo sacerdotes ocuparem espaços públicos deste jeito.

– Você acha errado um homem de Deus ocupar uma cadeira na Câmara, irmão?

– Seria na Assembleia, pastor. Acho errado sim.

– Assembleia! Tá vendo, irmão. Até você concorda indiretamente que eu preciso estar lá, amém igreja.

– Amém, pastor! – a gurizada respondeu com um pouco mais de euforia.

– Não é nada disso, pastor. Mas, vamos lá. Quais as suas propostas?

– Já falei. Continuar fazendo a obra de Deus.

– Me desculpe, pastor. Mas isso não é proposta de Deputado.

– Como não? Vem cá, quem é você que eu nunca te vi aqui? Quem te trouxe?

– Fui eu, pastor – disse Mariana. – A gente estuda junto. Chamei ele pra conhecer a mocidade.

– E você trouxe ele pra cá sabendo que ele é um herege, irmã? – disse bravamente o pastor constrangendo a menina.

– Não sou herege coisa nenhuma, pastor. Sou nascido e criado do cristianismo. Por, justamente, conhecer a palavra de Deus eu acho que deve haver separação entre religião e Estado. As tribos de Israel, por exemplo...

– De que Igreja você é, irmão? Quem é seu pastor?

– Eu congrego com minha família na...

– Não, para. Nem precisa continuar. Estou sentindo o Espírito Santo aqui. Eu estou vendo, mocidade, a alma do nosso irmão está consumida pelo espírito maligno. Ele foi plantado aqui pelo pai da mentira para colocar vocês contra mim!

– Tá repreendido, em nome de Jesus! – bradou o jovem obreiro, já achando que a culpa de tudo era sua, por adulterar o ponche ungido da galera com mais vinho do que deveria.

– Por favor, enviado do Satanás, saia da minha igreja em o nome de Jesus.

O rapaz saiu. Levou uma garrafa de vinho e o violão da igreja. Ninguém reclamou. Mariana o seguiu. Fazia já um tempo que ela estava achando a igreja meio esquisita e já vinha cogitando sair apesar dos pais.

– Irmãos da mocidade, futuro da nossa congregação! – dizia o pastor para a juventude tentando se recompor. – Um filho do inimigo trazido à nossa casa de Deus por uma ovelha desgarrada quis plantar a semente da discórdia aqui. Mas vocês sabem que eu sou um enviado de Deus na Terra, Amém?

– Amém, pastor! – os jovens repetiram com mais vontade.

– Ele pode entender de violão e de garotas, mas de Assembleia eu entendo, Amém? Conto com vocês para me multiplicar os votos em mim assim como Jesus multiplicou o pão e os peixes, Amém igreja?

– Amém pastor!

– Louvado seja o nome do senhor Jesus! – disse o obreiro.

– Obreiro.

– Sim, pastor.

– Traga vinho ungido pra gente comemorar nossa candidatura com a mocidade, Amém?

– Pastor...

– Sim, irmão.

– Acabou o vinho.

– Acabou o vinho ungido?

– Acabou.

 

Rodrigo Slama 26/05/22

* Imagem do Google

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quinta-feira, 5 de maio de 2022

Devolução, revolta, desordem – Deus, o Diabo e a Morte

 



– Javé! Javé, seu cretino! Abra logo essa porta!

– O que foi, cão do inferno? Me deixe em paz. A cada dois mil anos é isso... Não dá um tempo de paz!

– Javé, eu te liguei esses dias, em 2018 depois de Cristo, e você prometeu que ia resolver aquela bronca lá do babaca da Terra.

– E não resolvi?

– Resolveu, mas o filha da puta tá pra entrar lá em casa de novo.

– Lu – tentou, Deus, acalmar o amigo – Eu não tenho nada a ver com isso. Eu já disse que a Morte tem seus próprios planos... eu estou muito ocupado com essa merda de universo pra me preocupar com um infeliz lá da Terra.

– Porra, Javé! Cadê sua palavra?

– Para de me chamar de Javé, Lúcifer, você sabe que não gosto mais desse nome demodê.

– Vai pra uma porra, Deus! Eu não quero aquele arrombado lá em casa. O Adolf desde que chegou me perturba... Veio um tal de Olavo dia desses... puta-que-te-pariu! Num aguento mais essa vida, não!

– Já falei que não posso fazer nada. Sai daqui logo que tenho mais o que fazer... tô com um projeto de dinossauro não-orgânico aqui pra um planeta medíocre de Andrômada e eu estou empolgado.

– Porra nenhuma! O infeliz tá quase entrando e eu não quero!

– Caralho, Diabo, tua obrigação é abrigar uns cretinos... faça seu trabalho quieto!

– Não. Desta vez, não.

– Ah, vai dizer agora que vai se rebelar de novo? Toda era é isso agora?!

– Olha aqui, Javé. Se vira com esse B.O.... Eu mesmo não quero.

– Porra, eu devia ter te feito mortal... eu não te aguento e nem eu posso contigo. Olha, vou chamar a Morte aqui pra resolver isso agora.

 

– Chamou, meu Deus?

– Chamei, sim! Olha aqui, não mata o... Qual o nome do infeliz?

– Jair, Javé!

– Morte, não mata o Jair agora não o que o Cramunhão aqui não gosta dele e tá putinho comigo.

– Senhor, eu não posso adiar mais isso. Eu tenho uma lista enorme de tarefas a cumprir... O senhor sabe que nunca durmo e...

– Sim, eu sei... eu que te fiz, caralho!

– Desculpe, pai. Eu não quis dizer isso, é que...

– Olha, eu num quero esse puto lá em casa não.

– Satanás, se cale que eu vou resolver.

O Diabo, temeroso pela falta de resolução do seu problema, se calou desta vez.


– Morte, por favor, adia essa merda desse homem, por favor.

– Mas, senhor, eu já adiei demais!

– Quem manda nessa merda de Universo?

– O senhor, meu Deus.

– Então faz o que eu tô te mandando, caralho!

– Mas, meu pai, o senhor mesmo me criou para cumprir a minha missão. Eu já adiei muito esse trabalho e...

– Morte, tu não tá querendo obedecer a Deus, é isso? – retrucou o capiroto.

– Com licença, mas eu só devo satisfação ao meu pai.

– Uma porra! Quase todo mundo que você mata vai lá pra casa... eu num aguento mais um monte de alma sebosa, não, seu otário!

– Com licença, senhor Diabo, mas eu só devo me reportar a Deus.

– Então, porra! Faz o que tô te mandando. Não mata esse cara! – disse bem nervoso, o criador de tudo.

– Senhor, me perdoe, mas não posso cumprir esta ordem.

– Ah, fodeu mesmo! Outro rebelde! – disse Deus furioso enquanto o Diabo aguardava impaciente.

– Olha, Deus – disse a Morte. – Eu já estou cansada mesmo dessas ironias, dessas ordens. O senhor não quer, tudo bem? Não mato esse ser humano, mas também não vou mais matar ninguém! Estou entregando meu cargo.

– O quê?

– Isso mesmo, senhor! Me recuso a matar mais qualquer coisa da Terra. Estou me demitindo. Adeus.

A Morte, simplesmente, saiu da sala de reuniões do paraíso deixando tanto o Deus quanto o Diabo perplexos.

 

Rodrigo Slama, 05/05/22

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* Imagem do Google