No panteão dos que existem só na Terra, os deuses trabalhavam cada um
com as suas demandas. Quase todo dia era sempre igual. Pedidos, agradecimentos,
oferta de alimento, tempo, dinheiro... Hoje, não é mais como quase todo dia.
– Esse pessoal não dá um dia de folga! – disse Buda.
– Buda, deixe de pantin. Tá berrando de bucho cheio! – reclamou Jesus,
um dos que tinham o maior serviço.
– Relaxa, pessoal. Uma hora o sossego vem. – tranquilizou Hermes.
– Vamos manter o foco na permanência, galera! – recomendou Oxalá.
O fato é que Jesus e Alá trabalhavam vinte e quatro por dia enquanto tinha
deus à toa. Era pedido o tempo todo. Ibisu trabalhava pouquíssimo e ainda tinha
metade do dia pra descansar sem precisar ouvir ninguém. Tava um clima de
injustiça e desunião. Tinha deus querendo sair da galáxia pra ter um pouco mais
de paz, mesmo sem saber se existia outro planeta com rezantes.
Jesus já estava de saco cheio. Dentro da sua própria galera no mundo tinha
desentendimento. Ele era onipresente, mas isso não quer dizer incansável, né?
Era melhor no tempo em que rezavam pros seus santos, agora boa parte dos
problemas vai direto nos seus olhos, ouvidos e até no nariz.
Brahma e seu pessoal também estavam impacientes com o tanto de trabalho
concentrado para uns. E outra, tinha deus ali que não ganhava nada... pelo
menos não ganhava dinheiro, ouro. Tinha deus alimentado por vela e gratidão
trabalhando mais que deuses da fortuna. Como um mundo será menos mesquinho
se nem a comunidade dos seus deuses é igualitária?
Aurá Masda, um deus bem antigo que ainda vive, não via serviço pesado há
pelo menos três mil anos. Teve mais sorte do que os deuses que morreram por
falta de lembranças ou rezas. – É claro que vamos mandar pra cima dele! – disse
Javé, olhado com desdém pelo seu filho. A maioria concordou. Bolaram um
plano e começaram a colocá-lo em prática.
Ao contrário do que dizem, deuses não podem mandar dilúvios, guerras,
fogo do céu. Deuses precisam tralhar com as ideias, sabe? Não dá pra ser pela
coerção, não. Nas mentes dos mais fiéis, conseguiam entrar em sonhos, plantar
quem questionasse sua fé no dia a dia... conseguiram até convencer, não só pela
persuasão, quem pudesse difundir a verdade sobre a vida e a espiritualidade, o
verdadeiro deus: Aurá Masda.
Para os que não são deuses, passaram-se muitos anos de envelhecimento e
morte, mas para os que eram quase imortais, o tempo não lhes dava a delícia do
envelhecimento e da inexistência. Enfim, no entanto e felizmente, Aurá Masda
era obrigado a trabalhar pseudoinfinitamente mais do que costumava nos últimos
milênios.
Jesus e Alá, que sempre sentiram o constante aumento de serviço, nem
sabiam o que fazer com o tempo que agora eles conheceram. Por mais que, no
princípio, a gente ache que só precisa viver se tiver trabalho, os deuses estão
entendendo que têm direito ao lazer, ao ócio e à própria contribuição à humanidade.
Quanto ao Aurá Masda, ele tá trabalhando mais do que houvera trabalhado desde que
foi inventado, mas nada ao tamanho do que os líderes do levante já trabalharam
um dia.
*Imagem do Google