Fazia dias que Ana não dormia
direito. Parecia viajar, se desdobrar para uma guerra. Ela nem gostava de ver
filme de guerra, nem muito de filme ela gostava. Acordava cedo todo dia.
Molhava a calçada como se a escassez de água não fosse um problema. Geralmente,
caminhava até a pracinha a três quadras de casa... ficava lá uns minutos e, às
vezes, levava até um pãozinho duro pros pombos. O clima andava seco no Planalto
central... se comprasse o pão de manhã ele já estava duro à tarde.
Em casa, todo dia ela, ela fazia
pequenos serviços domésticos. Não mexia mais no fogão porque suas mãos não estavam
tão firmes e há dois anos ela se queimou derramando água do macarrão. Lia um pouco,
rezava a Prece de Cáritas e meditava para que o Dr. Bezerra de Menezes ajudasse
a curar a pandemia no mundo e, principalmente, no Brasil. Kardecista e
conservadora, Ana votou contra o PT nas eleições. Ela não aguentava mais a
roubalheira. Não estava gostando muito do presidente que ela elegeu, mas... Na
época seus netos tentaram avisá-la, no entanto votou como o filho, major do Exército,
que se perguntava onde tinha errado para criar filhos comunistas.
Antes de dormir, nos últimos dias,
rezava um Pai Nosso e pedia por bons sonhos. Conversava com seu mentor, fazia
uma prece para o seu falecido marido e pedia auxílio para a pandemia mais uma
vez. Talvez sonhar com guerra fosse saudades do companheiro falecido há mais de
15 anos. Ele era Coronel do exército e morreu de câncer no estômago. Ana
acreditava que era um carma de uma vida passada.
Naquela noite, seu mentor
apareceu em sonho. Disse que ela estava perto de concluir uma importante missão
na Terra, uma missão em que ela se comprometeu antes mesmo de encarnar. Desde
pequena, quando começou o contato com o mestre, ela sabia que certo dia ela
deveria realizar um ato humanitário de extrema importância, mas nunca lhe foi
revelado quando e nem o que deveria fazer.
Ao acordar, ela agradeceu com uma
prece, vestiu roupas claras e foi, naturalmente, molhar a calçada da rua depois
do café. Ela não gostava da máscara, bem que o presidente disse que se respira
gás carbônico por ela... mas até que Ana estava usando direitinho nos últimos
tempos, estava realmente difícil. Não levou pão seco desta vez, mas caminhou um
pouco pela até a praça. Antes de chegar ao seu banco, sentiu sua consciência
quase se esvaindo... botou a culpa na máscara. Ela, agora, iria cumprir sua
missão.
Quando acordou, deitada no topo
de um dos prédios ministeriais, Ana não reconheceu a pessoa do seu lado...
muito menos os equipamentos ali. Ela estava segurando uma arma, uma arma grande,
um rifle de precisão. O homem ao seu lado tinha em suas mãos binóculos e outros
apetrechos. Naquela hora, confusa, tentou se levantar, mas se assustou com o
som do helicóptero.
Ana se virou e levou um tiro a
queima roupa no peito. Não sentiu dor, não sentiu medo. Chegou do outro lado e
lá estavam o seu amado companheiro, com roupas que nada lembravam sua patente
militar, seu mestre e mentor além de uma mulher com o rosto um pouco peculiar
que ela não conhecia, mas que sentia conhecer. Esta mulher a abraçou e
agradeceu. “Obrigado, minha irmã. Pelas suas mãos o 310° inimigo foi abatido.
Vidas serão salvas na Terra”. Todos os meios de informação e desinformação do
mundo se perguntavam como uma mulher de 85 anos sem treinamento militar algum e
com certa dificuldade de movimentos conseguiu subir num prédio ministerial com
armamento sofisticado e matar o presidente do Brasil com um tiro na cabeça.
Rodrigo Slama 23/03/21
Histórias inéditas em
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