Infelizmente,
terminou a pandemia.
A
gente já pode sair sem máscara. Ninguém usava mais máscara mesmo! Um bom bocado
de vacina deu certo e logo a imunidade da população mundial chegou a padrões
seguros. Enfim o normal voltava. O velho normal, com bar, escola, terreiro
cheios. No Rio de Janeiro, as escolas de samba preparavam os carnavais, os
maracatus ensaiavam em Pernambuco e o Amazonas prometia uma Festa de Boi como
nunca se viu.
Mas
Josefa se lamentava. Ninguém entendia direito e muito poucos desconfiavam. Pra
ela, infelizmente, a pandemia tinha terminado.
Com quase
sessenta anos e poucos pés de galinha, mais do que a sua melanina, a falta de
sorriso contribuía para a economia de marcas de expressões no rosto. Desde a
adolescência, se acostumou a pouco rir, a pouco chorar, a pouco manifestar
qualquer sentimento. Na verdade, Maria Josefa tentava não alimentar nenhum
sentimento... bom ou triste, alegre ou ruim, nada que sentia era manifesto...
tudo guardado, embalado, escondido.
Mas durante
um ano, Josefa estava visivelmente mais alegre. Seus olhos sorriam. Até mais
rugas apareciam. Gente parente que nunca tinha ouvido sua risada, acostumava-se,
inicialmente com certa desconfiança, a reconhecer sua gargalhada.
“É
falta da igreja”, disse um sobrinho ateu. “É nada, deve ter arrumado um pé de lã”,
retrucou o marido covarde. “Gente, deixa ela. Ela só tá feliz”, respondeu a
filha mais nova que fazia faculdade.
A
felicidade, porém, estava ameaçada. A pandemia tinha acabado. Todo mundo saía
sem máscara e Josefa tinha que sair assim também. Sem máscara, não sorria; sem
máscara, tinha vergonha, sabe? Tinha vergonha.
Rodrigo Slama 14/10/20
Imagem do Google (Revista Exame)