Fazia três dias que eu não cagava. Eu nunca tinha
ficado entupido antes. Na verdade, o meu problema sempre foi o contrário... eu,
geralmente, cago demais. O problema é que minha mãe fez uma farofa muito boa no
natal e sobrou quase tudo. Como adoro farofa e ninguém aguentava mais comer
resto da ceia, me esbaldei naquele balde de farofa temperada. Comi tanto que a
merda ficou presa no meu intestino e não saiu nem com reza braba.
Meio envergonhado, pedi ajuda à minha mãe. Me deu laxante.
Um quarto do recomendado. Pense num laxante porreta! Estava no curso. Tinha
tomando o remédio na hora do almoço, antes de sair. Durante as primeiras aulas,
não senti uma pontada sequer no bucho. Achei que não iria fazer efeito e teria
de tomar de novo. No intervalo, aproveitei a caminhada até a cantina para
peidar um pouco... já estava começando a me sentir aliviado, mas vontade de
cagar que é bom nada. Bom... que eu cagaria só em casa, no conforto do meu
sanitário.
Fim da aula. Fui sem muita pressa, mas sem a calma
de sempre, para o ponto de ônibus costumeiro. Caminho até em casa era breve,
mas que se alongava devido ao horário, ao trânsito e à quantidade de pessoas
espremidas no coletivo. Consegui pegar lugar sentado. Quase sempre eu
conseguia, porque a o curso ficava antes do centro, e lá que subia muita gente. Sentei
na janela, pouco antes do meio do ônibus. Ouvia Kate Perry no celular. Gosto
muito de Kate Perry, quase tanto quanto de Motörhead.
Estava quase na metade do caminho quando comecei a
ouvir um ronco na minha barriga. Não era fome, tinha comido uma coxinha com
bastante catchup, mostarda e uma maionese que que ficava quase todo horário de
funcionamento da cantina do lado de fora da geladeira. Sabia que aquele ronco
significava merda. Comecei a rezar para o ônibus chegar logo. Sabia que iria
demorar ainda mais quase uma hora para chegar ao meu destino. A cada freada,
era um susto diferente. Queria peidar, mas tinha medo. Queria cagar, mas não
podia. Pensei em descer do ônibus e procurar algum banheiro, mas acreditava que
conseguiria chegar em casa na hora. Eu tinha de chegar em casa na hora!
A velha que estava sentada do meu lado desceu,
sentou uma menina bem bonitinha com a camisa do Helloween. Eu já estava sem os
meus fones de ouvido, porque a Kate Perry estava me deixando mais nervoso.
Percebi que a menina ouvia Mc Ludmilla. Ela devia achar que a camisa era da
festa de halloween, nem devia saber que é de uma banda. No tempo em que pensava
nisso, me senti um pouco aliviado, até que o primeiro peido saiu. Queria muito
que ele não tivesse sido barulhento e molhado, mas já era. Teria de segurar o
cu agora. Uma freada era uma mancha além da minha cueca, mas na minha
dignidade.
Pelo jeito, tinha saído mais merda do que eu
pensei. Toda vez que o ônibus passava num quebra-molas, eu me sentia
escorregando da cadeira. Até que a vontade apertou de vez. Eu já estava
preocupado, mas a sensação era de que eu iria explodir pelo furico e eu tive
que desapertar o caneco. Saiu merda. Saiu muita merda. Saiu mais merda do que
alguém em plenas condições físicas poderia produzir. Era tanta matéria orgânica
que eu sentia escorrendo pelas minhas pernas, entrando nos meus tênis e
deixando no ar um cheiro de peido no banho incontrolável.
As pessoas começaram a tapar o nariz. A menina ao
meu lado disfarçou e pediu parada. Não tinha mais gente de pé, mas as pessoas
que estavam sentadas logo se levantavam para abrir as janelas superiores.
Alguns arriscavam a colocar a cabeça para fora enquanto o casal de idosos atrás
de mim comentava que esse governador desgraçado não estava arrumando o esgoto
da região. Nesse momento, liguei o botão
do foda-se. Já estava cagado mesmo, se tivesse que sair mais, que saísse. E
saiu. Continuou saindo mais e mais por alguns segundos, talvez minutos.
Enfim, chega meu ponto. Entre o ponto e a minha
casa ainda precisava andar uns oitocentos metros. Levantei a alça da minha
mochila para ela não encostar na minha calça e segui meu caminho. Os meus pés,
mais o direito que o esquerdo, estavam, literalmente, encharcados de bosta. Nos
primeiros cinquenta metros, fui deixando um rastro grosso de bosta que se
estendeu mais modesto até a porta de casa. Parecia uma vaca, mas ao invés de
capim saíam uns carocinhos de feijão.
Cheguei todo cagado. Minha mãe quase vomitou.
Mandou eu tirar a roupa no quintal mesmo. Não deu pra reaproveitar a cueca. Não
compensava lavar. Enquanto eu seguia para o banheiro, minha mãe tapava o nariz
com uma mão e empunhava o cabo de uma vassoura na outra. Ela pegou minhas
roupas, colocou no tanque e deixou a água correr como se não houvesse conta no
fim do mês e tacou todo tipo de produto de lavanderia em cima.
Depois de estar de banho tomado, comecei a rir da
história. Pensei como as pessoas do bairro iriam reagir ao ver o rastro de
feijão descomido que jamais levaria para uma casa de doces, mas para o primeiro
banheiro químico do carnaval de Olinda. E fiquei com certa pena do cara que
iria limpar o ônibus depois e encontrar aquela poça de merda fedida nos pés do
quinto assento do lado da janela direita.