Carla era uma mulher sem muito amor. Era mãe de
dois filhos já na faculdade, mas que moravam com ela. Era filha de pais
aposentados que moravam no interior, mas que se falavam todo dia pelo telefone.
A protagonista desta curta história era casada há 21 anos, e, durante muito
tempo, o seu sonho foi estudar e trabalhar, mas tinha que cuidar da casa,
cuidar dos filhos, cuidar do marido e das coisas da igreja.
Enfim, para a sua
felicidade, Carla conseguiu, depois da maturidade, entrar numa faculdade. Ela
escolheu uma profissão de status, que lhe conferiria o respeito que ninguém,
nem marido nem filho algum, já a haviam dispensado. Catou seus documentos e
conseguiu um financiamento federal para estudar Direito numa decente universidade
do seu estado. Ah... ela estava tão feliz... agora, como a sua irmã, que era
médica formada na Universidade Federal, ela teria algum valor... Direito era um
curso muito belo... poderia, além do diploma, lhe conferir dignidade, como se
só quem tivesse um título emoldurado na parede tivesse o direito inalienável,
como anos atrás, de ter dignidade neste país.
Foi uma luta terminar
o curso... no início, teve que se virar para pagar o material, os livros e
ainda pagar pelos trabalhos e provas que não conseguia fazer... Afinal, não é
uma, duas ou dezoito disciplinas que não se acompanha bem que fará um estudante
universitário sair com menos bagagem, não é mesmo? E assim ela foi... fez os
estágios, colou o grau... o marido, nestes cinco anos, havia sido promovido
então eles já vinham pagando o FIES para não deixar tudo pra depois...
O problema, caro
leitor ou leitora, é que quando você paga para fazerem seus trabalhos, quando
você paga para fazerem seus resumos, fichamentos, só te darem a parte pronta
num seminário ou mesmo paga para fazer uma prova em dupla, você acaba saindo da
universidade do mesmo jeito que entrou. Agora, Carla era uma doutora como diz
no popular, mas não conseguia passar no exame da OAB e, consequentemente,
exercer a sua profissão. Tinha um diploma na parede. Tinha apenas um diploma na
parede.
O problema, sabe, não
é nem a falta da carteira da Ordem ou o fato dela ter pago pelos trabalhos,
enfim... O problema todo é a sua arrogância... a sua prepotência. Parece que,
mesmo não tendo entrado de verdade no mundo do direito, a empáfia que alguns
profissionais carregam a acompanha. Por isso, ela arruma briga com o padeiro,
com o porteiro, com o professor dos seus filhos... Se um dia você cruzar com
ela, não ouse falar em leis, direitos ou constituição em sua frente ou pelas
costas, ou você será vítima – sim, vítima – de um discurso armado, pronto, no
esqueleto, faltando apenas a cereja, a contextualização temporal e local para
que ela tente passar por cima de você...
Sim... como não
conseguiu muita coisa em sua vida, agora, a sua alegria é passar por cima do
ego alheio, da moral, da verdade... tudo que estiver acompanhando o seu
opositor – todos que não concordam com ela são seus inimigos – será alvo de
seus argumentos ancorados no senso comum com algumas palavras-chave prontas, em
stand-by aguardando o momento oportuno.
Quando consegue,
raramente, passar por cima de alguém menos instruído, Carla se sente mais
gente, mais ser humano, mais advogada formada... o seu marido, pobre coitado,
nem entra mais na onda de sua esposa. Ele também participa de sua igreja que
prega o amor eterno entre os casais, o ‘felizes para sempre’... e acha que é
uma provação o que ele passa... como se o seu deus quisesse que ele sofresse
tanto vendo a mulher pregar e ler uma coisa nos púlpitos da igreja e fazer
absolutamente o contrário em sua vida real.
É, meu amigo ou
amiga, eu me preocupo muito com este tipo de pessoa que quer se tratorar
através das outras, estes parasitas que têm seu ego inflado quando suprimem da
forma mais baixa e mesquinha o direito dos outros. Quando eu encontro com
Carla, eu finjo que ela ou eu somos um personagem... e tento não levar para o
lado pessoal as asneiras que diz. Pra mim, agir desta forma é algo que vai
contra o que eu sigo, o que eu prego, o que eu vejo e acredito. Eu creio que o
mundo precisa de mais humanidade e menos arrogância. Carla, por sua vez, é
crente que é gente.